TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL porém, um princípio constitucional da equivalência entre contribuições e montantes da prestação. Nem de outro modo poderia ser, uma vez que a Segurança Social representa uma função do Estado. O princípio da contributividade (que tem origem legal) significa que o direito à pensão se adquire mediante o cumprimento, por parte do seu titular e de outras entidades, de obrigações de contribuição, devidas ao longo do tempo. De acordo com a interpretação do Tribunal Constitucional, até agora, deste princípio, daqui não decorre uma equivalência entre contribuições e montantes da prestação, já que o sistema previdencial assenta em mecanismos de repartição e não de capitalização individual de contribuições. Para além disso, as contribuições não servem somente para cobrir os encargos com as pensões, mas também demais eventualidades (aliás, constitucionalmente previstas, como a doença ou o desemprego – artigo 63.º, n.º 3). Constitui tarefa soberana do Estado a definição das contribuições e prestações, resultando a determina- ção do valor das pensões num compromisso entre o princípio contributivo e o princípio distributivo. Apesar da regra geral estabelecida pelo legislador ordinário (“de cada um segundo a sua remuneração; a cada um segundo a sua contribuição”) a Constituição deixa-lhe amplo espaço para afeiçoar (ou mesmo corrigir) este princípio (por exemplo, estabelecendo pensões mínimas independentes da carreira contribu- tiva), tendo em conta um fim constitucionalmente protegido. Também o princípio da solidariedade legitima desvios em relação à correspondência nos montantes. No limite, pode mesmo verificar-se o cancelamento do princípio contributivo (por exemplo através da fixação de “tetos” no valor das pensões), o que a CRP não proíbe, respeitados que sejam critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Deste modo, a relação entre a contribuição individual e o benefício que cada um retira do sistema varia necessariamente de contribuinte para contribuinte. É, portanto, meramente relativa a relação entre contribuições e prestações. Logo, o princípio contributivo não pode ser visto como critério determinante na avaliação da conformidade constitucional das normas objeto de pronúncia. 5. Impõe-se reconhecer a necessidade de “adequação” do sistema de segurança social aos fatores econó- micos e sociais. A sustentabilidade exige a manutenção da “capacidade funcional” do sistema. Subjacente está uma ideia de justiça intergeracional. Este princípio da sustentabilidade funda mesmo um dever de intervenção do legislador numa atuação ponderada com outros princípios como a proteção da confiança, a proporcionalidade e a igualdade. O meu ponto de partida na aplicação destes princípios às normas trazidas à apreciação do Tribunal, hoje como sem- pre, é considerá-las uma restrição de um direito fundamental, por o quantum da pensão se dever considerar integrado na esfera de proteção do direito à segurança social. A dimensão coletiva do sistema de Segurança Social pode exigir alterações em ordem a acautelar as necessidades que se fazem sentir ou que resultam de alteração das circunstâncias (ou pressupostos em que se baseou a atribuição de pensão). Uma opção que passe por um sistema exclusivamente repartido pelos con- tribuintes ativos pode fundar uma injustiça ou mesmo uma desigualdade. Num sistema de repartição como o português, esta necessidade de alteração (ajustamento) é um elemento que os beneficiários não podem ignorar. A confiança não pode ser avaliada apenas numa ótica individual, devendo ser considerados também o interesse da comunidade e o princípio da justiça intergeracional. De facto, não é só o valor da pensão atri- buída que merece a proteção da confiança. Os cidadãos que agora contribuem também têm uma expetativa tutelável de que um dia receberão uma pensão suficiente (referente sistémico da proteção da confiança). A superveniência de profundas alterações demográficas e económicas pode conduzir à injustiça de tratamento geracional. Assim, apesar de o sistema de Segurança Social assentar na ideia base de que cada geração de con- tribuintes (população ativa) financia as pensões da geração de contribuintes precedente (reformados), certo é que a sua lógica é a de que, em princípio, ele só pode proporcionar as prestações que as contribuições podem pagar. Perante uma situação deficitária estrutural, e mesmo assegurando mecanismos de garantia como o Fundo de Estabilização Financeira, inevitável será encontrar uma solução, que pode passar por aumentar as contribuições, reduzir as pensões, ou mesmo recorrer a ambas as soluções em simultâneo.

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