TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
78 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Verifica-se, por conseguinte, que existem ainda hoje pensionistas do regime da proteção social conver- gente que auferem pensões com base numa taxa de substituição de 100%, e que são, por isso, superiores à remuneração de referência que é paga ao pessoal no ativo – por não terem sido abrangidos pelo regime decorrente da Lei n.º 1/2004 –, e que não foram sequer afetados pelo fator de sustentabilidade, que também não foi aplicado às pensões que estivessem a ser abonadas à data da entrada em vigor da Lei n.º 52/2007. Ao passo que outros pensionistas sofreram já a dedução no cálculo da pensão da quota para efeitos de apo- sentação, e outros, cumulativamente com essa dedução, suportam ainda a redução da pensão por efeito da aplicação do fator de sustentabilidade e de outros mecanismos de determinação do cálculo da pensão (Leis n. os 60/2005 e 66-B/2012). Paralelamente, no regime geral da segurança social, a determinação do montante da pensão através da remuneração de referência que represente o total das remunerações de toda a carreira contributiva – em con- sonância com o princípio da contributividade – apenas se tornou integralmente aplicável aos contribuintes inscritos a partir de 1 de janeiro de 2002, sendo que em relação a beneficiários que já se encontrassem inscri- tos a essa data, o legislador sempre instituiu cláusulas de salvaguarda e regimes mais favoráveis de transição, que ainda se mantêm em vigor. Além de que o fator de sustentabilidade, concretizado através do Decreto-Lei n.º 187/2007, apenas se tornou aplicável às pensões atribuídas a partir de 1 de janeiro de 2008. O que significa que pensionistas de qualquer dos sistemas públicos (CGA e regime geral da segurança social) estão em situação mais desfavorável, no que se refere ao cálculo da pensão, em relação a outros que tenham tido idêntica carreira contributiva com base em idêntica remuneração de referência, apenas porque preencheram as condições de reforma ou aposentação em momento ulterior à entrada em vigor das reformas do sistema de pensões que entretanto foram implementadas, ou simplesmente porque optaram por manter a relação laboral – ainda que já dispusessem dos requisitos para a passagem à reforma ou aposentação – até a um momento e que já se encontravam em vigor esses novos regimes legais. Ora, a contribuição de sustentabilidade, pretendendo afetar direitos adquiridos e, portanto, pensões já atribuídas, e produzindo uma redução definitiva das pensões em pagamento, a pretexto de uma alegada sus- tentabilidade do sistema, é inteiramente indiferente às situações diferenciadas dos pensionistas que, apenas porque abandonaram a vida ativa em momentos temporalmente diversos, se encontram já numa situação mais gravosa por efeito da evolução legislativa em matéria de pensões. 34. Neste condicionalismo, uma tal medida não pode deixar de suscitar sérias dificuldades no plano da igualdade e equidade interna e da justiça intrageracional. Afigura-se que não tem aqui aplicação a ideia – já expressa pelo Tribunal Constitucional em diversas ocasiões – segundo a qual a alteração legislativa resultante da mera sucessão das leis no tempo (ainda que relativa a direitos sociais) não afeta, por si, o princípio da igualdade, o que só poderia verificar-se se a nova lei vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas (veja-se o Acórdão n.º 188/09 e a jurisprudência nele citada). Na verdade, embora estejamos perante uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações mas que é determinada por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal, o certo é que, no presente caso, o legislador pretendeu atingir direitos constituídos ao abrigo da legislação anterior e com o objetivo declarado de realizar o interesse público de sustentabilidade do sistema de segurança social. Se o legislador cria um novo regime legal que se destina a afetar qualquer situação jurídica que se encon- tre abrangida pela lei anterior (através da redução definitiva de pensões já atribuídas), não pode deixar de ter em consideração as situações de desigualdade que possam ocorrer no universo dos destinatários da medida. Não pode dizer-se, nessa circunstância, que as diferenças de regimes são decorrentes da normal sucessão de leis. O ponto é que é a nova lei põe em causa o princípio da não retroatividade e passa a aplicar-se a realidades
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