TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
755 acórdão n.º 576/14 Da impugnabilidade do ato sindicado 9. Conforme o Tribunal Constitucional vem repetindo, a admissão dos processos impugnatórios das eleições de titulares de órgãos de partidos políticos ou das deliberações dos órgãos partidários rege-se por um princípio de “intervenção mínima”. Como se referiu no Acórdão n.º 497/10: «Não obstante concorrerem para a organização e para a expressão da vontade popular (artigo 10.º, n.º 12 da CRP), e deterem por isso funções e competências relevantes no domínio da organização do poder político (artigos 114.º; 151.º, n.º 1; 180.º da CRP), os partidos políticos são, na sua raiz, expressão do exercício da liberdade de associação. Nesses termos, e conforme o reconhece a Constituição nos artigos 51.º e 46.º, gozam, na ordenação da sua vida interna, da autonomia própria que é conferida às associações. É certo que tal autonomia conhece sempre limites, impostos pela ordem constitucional no seu conjunto. Para além daqueles que valem, em geral, para todas as associações, são aplicáveis à ordenação da vida interna dos partidos, pelas funções políticas que constitucional- mente são conferidos a estes últimos, não apenas os limites decorrentes do necessário respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política (n.º 2 do artigo 10.º), mas ainda os decorrentes dos princípios da transparência, da organização e da gestão democrática e da participação de todos os seus membros (n.º 5 do artigo 51.º). É em razão destes limites, que conformam, por força da Constituição, o ordenamento interno dos partidos, que se atribui ao Tribunal Constitucional competência para, nos termos da lei, julgar ações de impugnação de eleições e deliberações dos órgãos partidários [artigo 223.º, n.º 2, alínea h) da CRP]. Os termos em que são recorríveis tais eleições e deliberações são fixados pela LTC. E são-no de modo a que se obtenha a necessária concordância prática entre os dois princípios constitucionais atrás mencionados: por um lado, o princípio da autonomia na ordenação da vida interna de cada instituição partidária; por outro, o princípio da necessária submissão dessa organização interna aos limites que lhe são constitucionalmente impostos.» É, pois, neste quadro de «intervenção mínima», que a presente ação deverá ser julgada. 10. Da matriz de intervenção mínima resulta, desde logo, a exigência de o impugnante prover ao esgo- tamento de todos os meios internos de impugnação previstos nos estatutos partidários para apreciação da validade e regularidade do ato impugnado, conforme prescrito no n.º 3 do artigo 103.º-C da LTC ( ex vi , n.º 3 do artigo 103.º-D do mesmo diploma). No caso, tendo o ora impugnante deduzido impugnação da deliberação em causa – bem como requerido medida cautelar de suspensão de eficácia da mesma deliberação – junto do Conselho Nacional de Jurisdição do PS, tudo ao abrigo do previsto nos artigos 70.º, n.º 1, alíneas b) e e), dos Estatutos do Partido Socialista e 4.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento Processual e Disciplinar do PS, e sendo aquele órgão o competente para, em última instância, decidir da impugnação de deliberações tomadas pelos órgãos nacionais do Partido, dir-se-ia estar demonstrado ter o impugnante cumprido o alu- dido requisito. Porém, a questão do esgotamento dos meios internos convoca, previamente, o apuramento da impugnabilidade da própria deliberação. Vejamos. 11. Conforme se descreveu, a deliberação em causa decidiu proceder à realização de uma consulta eleitoral, aberta a todos os militantes e simpatizantes do Partido Socialista, com vista à futura designação do candidato a Primeiro-Ministro que o PS apresentará às próximas eleições legislativas. Desde já se refira que não tem qualquer razão o impugnante quando afirma que a deliberação impug- nada procedeu a uma alteração dos Estatutos do Partido: é por demais evidente que aquela deliberação não teve por objeto qualquer alteração normativa interna – na verdade, o impugnante confunde alteração dos Estatutos com alegada violação de normas estatutárias ou, mais concretamente, a prática de um ato que os Estatutos não preveem. Por outro lado, e reiterando o que já se disse no ponto 3, convém sublinhar que a deliberação impug- nada foi tomada “nos termos da alínea d) do número 2 do artigo 63.º dos Estatutos do Partido Socialista”. Ora, de acordo com tal preceito, compete à Comissão Política Nacional (que é o órgão deliberativo do Partido no intervalo das reuniões da Comissão Nacional: artigo 63.º, n.º 1) designar membros de cargos
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