TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

724 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Fora das hipóteses de proibição absoluta, como as previstas no referido n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 97/[8]8, impor-se-á, sempre, pois, a avaliação casuística da cada dispositivo de propaganda eleitoral instalado, em ordem a apurar se, no caso concreto, o exercício da atividade de propaganda particularmente desenvolvido compromete ou prejudica, em termos relevantes, os valores tutelados pelas diversas hipóteses normativas constantes do n.º 1 do citado preceito legal. Ora, no caso vertente, decorre dos autos que o partido socialista procedeu à identificação da sua sede de cam- panha num armazém situado junto de um aqueduto e à colocação de um outdoor em edifício privado, em termos que melhor constam de fls. 9 e 12, ambos situados em zona externa à cintura muralhada. Dessa factualidade não decorre, contudo, qualquer indício que permita sustentadamente considerar que, desse modo, se causou prejuízo à «beleza ou enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas». Acresce que, não se questionando o relevo cultural da Vila de Óbidos, confirmado pelos sucessivos atos de reconhecimento, proteção e valorização que a visaram, no âmbito da defesa do património cultural, o certo é que qualquer decisão que vede, em absoluto, o exercício da liberdade de propaganda política, pelos meios ora em dis- cussão – que não se afiguram, só por si, suscetíveis de causar ofensa aos correspondentes valores – configura uma restrição desnecessária e desproporcional a um direito fundamental (liberdade de expressão e propaganda política), assumindo um efeito prático verdadeiramente ablativo que afeta o núcleo essencial de um tal direito, incompatível com a sua particular fisionomia jusconstitucional. Como salientou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 636/95, o direito de expressão, sobretudo quando se assume como meio de expressão de mensagem política (propaganda política), «apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: é, desde logo, um direito ao não impedimento de ações, uma posição subjetiva fundamental que reclama espaços de decisão livres de interferências, estaduais ou privadas». Mas, por outro lado, assume, ainda, uma inquestionável «dimensão funcional ou institucional que o liga aos desafios de legitimidade-legitimação da ordem constitucional-democrática». Como se conclui no citado acórdão, «[a] liber- dade de expressão (e a de propaganda política que nela se radica) constitui mesmo um momento paradigmático de afirmação do duplo caráter dos direitos fundamentais, de direitos subjetivos e de elementos fundamentantes de ordem objetiva da comunidade. (…) Elementos constitutivos desta ordem, como a legitimação do domínio polí- tico através de um processo de escolha livre e aberto, igual oportunidade das minorias de acesso a esse domínio e a pluralidade crítica de uma ‘opinião pública racionante’, recebem em grande medida o seu conteúdo da normação do direito fundamental de liberdade de expressão». Retomando o caso em apreço, pese embora aponte a violação do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, o recorrente não especifica, para além da menção do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma, quaisquer “normas em vigor sobre a proteção do património arquitetónico e do meio urbanístico e paisagístico” infringidas pela propaganda eleitoral afixada pela CDU. Do mesmo jeito, a invocação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, também não encontra procedência. O recorrente não identifica qualquer afetação da beleza ou do enquadramento de monumento nacional, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas, suscetível de ser subsumida ao apontado preceito. Invariavelmente, o objeto de proteção no domínio do património cultural é referido à área do Centro Histórico do Porto, como tal classificado, e não a qualquer monumento ou edifício individual. Ora, a única limitação que emerge do texto legal quanto aos centros históricos encontra-se, como se diz na deliberação recorrida, no n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, e proíbe tão somente “ins- crições ou pinturas murais” nessa área urbana. Nenhuma limitação emerge do texto legal relativamente a dis- tintas formas de propaganda eleitoral, como seja a que se consubstancia na afixação de cartazes ou pendões. Resta a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, que estipula para as atividades de propaganda o objetivo de “não provocar obstrução de perspetivas panorâmicas ou afetar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem”.

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