TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL em que determina, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “[c]álculo da contribuição de sustentabilidade”, uma redução do montante de pensões já em pagamento, a título definitivo, e, portanto, sem qualquer perspetiva de temporalidade. Trata-se, por outro lado, de uma limitação do princípio do benefício definido, enquanto princípio estruturante do modelo de formação do direito à pensão, depois de ele ter sido legitimamente adquirido pelo seu titular. É certo que essa medida não aparece isolada. Como já se referiu, o decreto da Assembleia institui um regime que é completado por outros mecanismos, constantes dos artigos 7.º, 8.º, 10.º e 11.º do decreto, que pretendem estender o esforço de “sustentabilidade” do sistema, não apenas aos seus contribuintes atuais (através das alterações marginais à contribuição dos trabalhadores para os sistemas de previdência social), mas ainda à sociedade no seu todo (através das alterações marginais à taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado). O que aparentemente poderia demonstrar a preocupação do legislador por exigências de justiça intergeracional. Todavia, poderá dizer-se que o essencial da escolha política que o decreto contém se cifra na fixação das taxas correspondentes à «contribuição de sustentabilidade» fixadas no artigo 4.º. E essa fixação equivale indiscutivelmente a uma medida definitiva de redução das pensões já em pagamento. O caráter fortemente «retrospetivo» desta medida já foi antes salientado. Por isso mesmo, salientada também foi a consistência particular que no caso adquire a necessária tutela da confiança das pessoas afeta- das, titulares de direitos já «formados», e valorados – nos termos já descritos – pela Constituição. A intensidade com que esta confiança merece ser protegida não pode ser tida, pelo Direito, como algo de meramente instrumental face à defesa de certos e determinados direitos subjetivos. Não está em causa um mero instrumento que sirva apenas para a afirmação de posições jurídicas detidas por um certo grupo da sociedade portuguesa. Está em causa, mais do que isso, o cumprimento de um princípio objetivo, decorrente de escolhas de valor que estruturam toda a ordem constitucional (artigos 2.º e 63.º) e, que por isso mesmo, interessam à comunidade no seu todo. Nessa medida, qualquer alteração legislativa que se pretenda intro- duzir no modelo previdencial português não pode deixar de ter em conta esse elemento de ponderação, que objetivamente vincula o legislador. Note-se, por outro lado, que a alteração legislativa é apresentada num quadro de uma acentuada incer- teza. Desde logo porque a medida, em si mesma, põe em causa – em termos que serão melhor desenvolvidos adiante – o princípio da contributividade e a tendencial correspetividade entre as contribuições que o bene- ficiário efetua e o montante de pensão de que poderá usufruir após a passagem à situação de reforma, o que torna particularmente difícil que as pessoas saibam com o que podem contar relativamente ao destino que irá ser dado às contribuições que, por imposição da lei, presentemente realizam para sustentar o sistema da previdência social. 27. Perante os quadros gerais do atual sistema previdencial de segurança social, que foi definido num outro contexto histórico, e cuja subsistência no presente momento, sem qualquer modificação, poderá sus- citar dificuldades de sustentabilidade das finanças públicas e do próprio sistema de pensões e colocar a República em situação de incumprimento perante as suas obrigações europeias e das suas obrigações perante gerações futuras, não pode deixar de reconhecer-se a necessidade de uma reforma do sistema. O cumprimento desta necessária tarefa não tem, evidentemente, que ser levado a cabo por um só ato ou de uma só vez. É, no entanto, dificilmente compreensível que a implementação de medidas como as pre- vistas no Decreto da Assembleia da República n.º 262/XII, implicando uma mitigação radical do princípio do benefício definido e um forte impacto nas posições jurídicas subjetivas dos pensionistas – ainda que deva ser completada por outras iniciativas legislativas – tenha sido adotada no âmbito de um procedimento parla- mentar prioritário e urgente, de tal modo que a proposta de lei, tendo sido apresentada ao parlamento em 12 de junho, foi aprovada na generalidade no dia 27 seguinte – a que se seguiu um escasso período de audições públicas que decorreram apenas durante 21 dias –, e culminou com a aprovação final em 25 de julho.
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