TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
708 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para chegar a esta conclusão constatou que o artigo 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo laboral, por força do disposto no artigo 81.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, dispunha relativamente aos termos em que julga o tribunal de revista, que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”. E, analisando este último preceito, entendeu que “os casos excecionais aludidos no n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil reportam-se à ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova e não à apreciação se se mostra provado determinado facto, se foram tidos em conta factos novos e estranhos ao processo sem a respetiva produção de prova ou se o tribunal recorrido violou a lei processual que estatui os pressupostos e os fundamentos em que deve mover-se a reapreciação da prova”. Não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar a correção infraconstitucional deste raciocínio, mas apenas verificar se o critério adotado viola algum imperativo constitucional, designadamente o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema judiciário, decorrente da chegada de todas ou de uma larga maioria das ações aos diversos “patamares” de recurso. Na verdade, no plano constitucional processual civil não se encontra expressamente consagrada qual- quer norma sobre recursos. Porém, são vários os preceitos constitucionais dos quais se pode retirar uma consagração implícita do direito ao recurso, nomeadamente aqueles que se referem ao Supremo Tribunal de Justiça e aos Tribunais judiciais de primeira e segunda instância [artigos 209.º, n.º 1, alínea a) , e 210.º, n. os 1, 3, 4 e 5]. Desta previsão constitucional de tribunais de diferente hierarquia resulta que o legislador ordinário não pode eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, na medida em que tal eliminação global dos recursos esvaziaria de qualquer sentido prático a competência dos tribunais superiores e deixaria sem conteúdo útil a sua previsão constitucional. E na definição do regime de recursos não deixa o legislador ordinário de estar limitado pelas diretrizes do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, no qual se refletirão os princípios estruturantes de um Estado de direito democrático, como sejam os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança. Para além destas limitações, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na con- formação do direito ao recurso em processo civil e laboral. Assim, como já se referiu em anteriores arestos deste Tribunal [ v. g. Acórdãos n. os 390/04, 659/11, 194/12 e 399/13, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) , não é necessário o recurso para um tribunal superior nos casos em que um tribunal já de recurso se pronuncie, pela primeira vez, sobre questões que possam influir na decisão da causa ou naquelas situações em que ao proferir a decisão, incorra na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com o estigma da nulidade. É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade legislativa, admitir esse recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente intolerável. No nosso sistema de recursos em processo civil, o qual se aplica subsidiariamente ao processo laboral, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça está em princípio reservada ao conhecimento da matéria de direito, funcionando como última instância de controle da fixação da matéria de facto os Tribunais da Relação. A interpretação normativa segundo a qual é proibida a reapreciação da prova gravada pelo SupremoTribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a recorrente não pôde produzir prova, insere-se naquela orientação de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça às questões de direito, encontrando-se dentro da margem que o legislador dispõe de conformar o direito ao recurso, sendo certo que não deixa de se encontrar assegurado o direito das partes reagirem quando os tribunais conheçam de questões de que não podiam tomar conhecimento, designadamente em matéria de facto, através da arguição
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