TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
702 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, o recluso que se encontre no gozo de licença de saída jurisdicional é um cidadão que, ressalvadas as restrições próprias e específicas decorrentes do gozo de tal licença, é titular dos demais direitos fundamen- tais, como qualquer outro cidadão. Acresce, reforçando a importância da lesividade da recusa de licença de saída jurisdicional, que o gozo prévio com êxito deste tipo de licença constitui o pressuposto da concessão de licenças (administrativas) de saída de curta duração e da colocação do recluso em regime aberto no exterior [cfr., respetivamente, o artigo 80.º, n.º 1, alínea b) , e o artigo 14.º, n.º 4, ambos do CEP]. B) Em segundo lugar, considero que o princípio da dignidade da pessoa humana consignado no artigo 1.º da Constituição impõe o reconhecimento de todos como sujeitos e a consequente possibilidade de cada um, autonomamente, exigir o respeito das leis que diretamente visem (também) tutelar os respetivos inte- resses. Deste modo, a todo o interesse juridicamente protegido deve corresponder tutela adequada junto dos tribunais (cfr. o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição – direito à tutela jurisdicional efetiva). A concessão de licença de saída jurisdicional é necessariamente requerida pelo recluso (cfr. o artigo 189.º, n.º 1, do CEP) e visa a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade (cfr. o artigo 76.º, n.º 2, do CEP). Por outro lado, a não concessão de tal licença é, em princí- pio, objeto de fundamentação (cfr. o artigo 77.º, n.º 2, do CEP). A pretensão dirigida à licença corresponde, por isso, inequivocamente, a um interesse legalmente protegido do recluso. Num quadro legal em que só são recorríveis as decisões do tribunal de execução de penas nos casos expressamente previstos na lei (cfr. o artigo 235.º, n.º 1, do CEP), é significativo que o legislador tenha reconhecido a recorribilidade da decisão que recuse a licença de saída jurisdicional (cfr. o artigo 196.º, n.º 1, do CEP). A recorribilidade em apreço evidencia a importância de tal decisão para os interesses legalmente tutelados, ao mesmo tempo que garante a adequação da tutela jurisdicional neste domínio. Ou seja, ao admitir o recurso da decisão de recusa de concessão de licença de saída jurisdicional, é o próprio legislador que reconhece a insuficiência – e, portanto, a inadequação – da tutela conferida apenas pela decisão proferida pelo tribunal de execução de penas. A mesma decisão de recusa é claramente proferida contra o recluso-requerente. Mas este, por força do artigo 196.º, n.º 2, do CEP, está impossibilitado de, por si próprio, agir na defesa dos seus interesses, vendo- -se remetido para o Ministério Público que, depois, poderá – ou não – agir no interesse da lei protetora do interesse do recluso. Este reencaminhamento da tutela dos interesses do recluso-requerente para o Ministério Público constitui uma menorização do primeiro incompatível com a sua dignidade, enquanto sujeito de direitos fundamentais, que, por outro lado, não encontra justificação nas limitações próprias do respetivo estatuto (cfr. os artigos 1.º, 20.º, n.º 1, e 30.º, n.º 5, todos da Constituição). Em suma: abstraindo ad argumentandum tantum das considerações sobre a lesividade específica da recusa de licença de saída jurisdicional mencionadas supra em A) , poderia o legislador ter considerado ade- quada a tutela jurisdicional conferida neste domínio pela decisão do tribunal de execução de penas. Con- tudo, a partir do momento em que a lei prevê a possibilidade de recurso da decisão de recusa de licença de saída jurisdicional – e, desse modo, a insuficiência e inadequação da tutela jurisdicional conferida pela mesma decisão aos interesses em causa –, não é constitucionalmente admissível impedir o principal interes- sado de recorrer. Aliás, tal impedimento configura uma denegação do direito de tutela jurisdicional adequada dos seus interesses legalmente protegidos. – Pedro Machete. Anotação: 1 – Acórdão a publicar no Diário da República, II Série. 2 – Os Acórdãos n . os 265/94, 638/06, 427/09 e 181/10 es tão publicados em Acórdãos, 27.º, 66.º, 75.º e 78.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 20/12 e 153/12 e stão publicados em Acórdãos, 83.º Vol.. 4 – Os Acórdãos n. os 540/12, 150/13 e 848/13 e stão publicados em Acórdãos, 85.º, 86.º e 88.º Vols., respetivamente.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=