TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

701 acórdão n.º 560/14 DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido quanto ao mérito da decisão, por duas ordens de razões autónomas, ainda que interligadas. A) Em primeiro lugar, porque entendo que a licença de saída jurisdicional prevista nos artigos 76.º, n.º 2, e 79.º, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro (adiante referido simplesmente como “CEP”), tem uma conexão tal com o bem jurídico liberdade, em especial com a liberdade física ou liberdade de movimentos, que a eventual ile- galidade (material) da sua recusa deve poder ser sindicada junto de um outro tribunal, conforme decorre do entendimento jurisprudencial firmado a partir do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 40/08: o direito de acesso aos tribunais consignado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição garante o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais – o direito ao recurso – nos casos em que a respetiva atuação, por si mesma, e de forma direta, lesa direitos fundamentais de um cidadão, mesmo fora da área penal. Para quem se encontra a cumprir uma pena de prisão, a liberdade, temporária mas não custodiada, inerente a uma saída de licença jurisdicional, não pode deixar de significar um bem de valor incomensurável, não só pela liberdade em si, como também pela relevância em termos de manutenção e promoção dos laços familiares e sociais (cfr. os artigos 76.º, n.º 2, e 79.º, n.º 5, ambos do CEP). O próprio Acórdão reconhece no seu ponto 14 que, à semelhança do que sucede com a liberdade condicional, também “os dias passados no gozo da licença de saída jurisdicional […], do ponto de vista do sujeito, [também comportam] o significado de que não passará confinado ou sob custódia por todo o tempo fixado na pena ditada pela sentença con- denatória. Nesse sentido, há razões para dizer que ambas comportam um nexo com a privação da liberdade sofrida pelo recluso”. E, do ponto de vista jurídico-constitucional, nomeadamente tomando como referência os bens jurídicos fundamentais concretamente em causa, é esse o aspeto decisivo. Sem questionar a relevância infraconstitucional e o acerto dogmático da distinção entre liberdade condi- cional e licença de saída jurisdicional, no plano constitucional avulta o aspeto comum a ambos os institutos de uma estreita conexão com o bem jurídico fundamental da liberdade. Na verdade, tal como “a decisão que nega a liberdade condicional, por ter como efeito a manutenção da privação da liberdade, tem uma indiscu- tível conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias, afetando um bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, protegido no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição” (assim, vide o Acórdão n.º 638/06); também a eventual recusa ilegal (por vícios materiais) de licença de saída jurisdicional implica que alguém possa permanecer encarcerado em situações em que, de acordo com a lei, deveria estar em liberdade. Por ser assim, não me parece defensável a afirmação feita no ponto 16 do Acórdão, segundo a qual “a decisão de não concessão da licença de saída, que aqui se discute, não atinge diretamente o direito à liberdade, pois a sua restrição resulta do título judiciário de execução ínsito na decisão condenatória transitada em julgado”. Ao invés, e como referido: o recluso a quem tenha sido recusada arbitrariamente, ou por desvio de poder (cfr., por exemplo, o artigo 77.º, n.º 3, do CEP) ou por erro sobre os pressupostos de facto uma licença de saída jurisdicional pode ter de permanecer encarcerado – e, portanto, privado da sua liberdade – numa situação em que, de acordo com a lei, e não obstante a condenação em pena de prisão efetiva, deveria estar fora do estabelecimento prisional. E tanto basta para comprovar que, em tal eventualidade, a privação da liberdade (já) não encontra o seu fundamento imediato na sentença condenatória. Como justamente se refere no artigo 30.º, n.º 5, da Constituição, “os condenados a quem sejam aplica- das pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução”. Ora, a licença de saída jurisdicional, à semelhança da liberdade condicional e de outras medidas aplicáveis no âmbito da execução da pena de prisão, constitui um «limite aos limites» próprios da execução da pena de prisão, para mais justificado pela ideia de ressocialização que a própria pena de prisão também serve (cfr. os artigos 2.º, n.º 1, e 76.º, n.º 2, do CEP). E tal «limite ao limite» traduz-se no reconhecimento, ainda que condicionado e temporário, de um «tempo de liberdade» que coexiste com o tempo de execução da pena de prisão (sendo inclusivamente aquele tempo computado neste último – cfr. o artigo 77.º, n.º 1, do CEP).

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