TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
699 acórdão n.º 560/14 o CEP opera “uma genérica revalorização e alargamento da intervenção do Ministério Público no controlo jurisdicional da execução de medidas privativas da liberdade”. Nos termos do artigo 134.º do CEP, ao Ministério Público cabe acompanhar e verificar a legalidade da execução das penas e medidas privativas da liberdade, para o que dispõe de um conjunto de competências, elencadas no artigo 141.º, entre as quais funções alargadas de vigilância da legalidade das decisões dos servi- ços prisionais [alínea b) ] e as de recorrer das decisões do tribunal de execução das penas [alínea c) ]. A possibilidade do Ministério Público recorrer amplamente de decisões em matéria de saída jurisdicio- nal carece de ser compreendida neste contexto. Por um lado, o legislador configurou o sistema de recursos no domínio da execução das penas e medidas privativas de modo a reservar as vias de recurso para os Tribunais da Relação às decisões que, pelo seu grau de afetação, considerou merecedoras de reapreciação, de forma a racionalizar o âmbito de intervenção dos tribunais de recurso e evitar o respetivo congestionamento. Mas, por outro, no exercício da sua liberdade de conformação, o legislador optou por conferir apenas ao Minis- tério Público – vinculado por um poder-dever de promoção – legitimidade para suscitar o controle da lega- lidade das decisões negativas, agindo aí em benefício da pretensão do recluso, encontrando em tais poderes de intervenção adstritos a regras estritas um ponto de equilíbrio, capaz de, a um tempo, assegurar adequada tutela dos direitos dos reclusos e prevenir o afluxo excessivo de recursos em matéria de saídas jurisdicio- nais (cfr. A Reinserção Social dos Reclusos. Um contributo para o Debate sobre a Reforma do Sistema Prisional, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2003, pp. 285-292, denotando o elevado número de pedidos formulados e objeto de apreciação jurisdicional, ainda que no regime anterior ao CEP). Ou seja, entre a radical proibição do recurso das decisões judiciais que neguem ao recluso a pretensão de saída e a irrestrita possibilidade de impugnação por parte dos sujeitos da relação processual de execução quanto a tais decisões, o legislador escolheu uma via intermédia, reputada capaz de assegurar a reponderação das decisões negativas por tribunal distinto e superior nos casos em que tal se justifique: confiou essa iniciativa a órgão de justiça dotado de autonomia, constitucionalmente vinculado pelo princípio da legalidade (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição), designadamente, face ao artigo 2.º do CEP, a promover a socialização do recluso durante a execução das penas privativas da liberdade. Não se vê que, atendendo à natureza e alcance da decisão, que a norma do artigo 196.º, n. os 1 e 2, do CEP mereça censura face aos parâmetros de controlo do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1) ou à garantia do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4). A apontada diferenciação opera entre sujeitos que não se encontram em posições comparáveis e não se pode considerar desrazoável, nem desproporcionada, face às finalidades que persegue. Também não se vê que se opere na relação jurídica da execução da pena privativa da liberdade um desequilíbrio em desfavor do recluso e que se possa reconduzir à promoção da estabilização – e renovação – de decisão modeladora do iter de cumprimento da pena que o prejudique – para além do que decorre do sentido da condenação – ou que o simples reconhecimento do recurso ao Ministério Público (negando semelhante possibilidade ao recluso em caso simétrico) comprometa a sua pretensão – não o direito subjetivo – à ressocialização, assente no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana [artigo 1.º da Constituição; cfr. Anabela Miranda Rodrigues, A posição jurídica (…), cit. , pp. 82-83]. O recluso preserva os instrumentos que lhe permitem exercer o contraditório e fazer valer a sua posição jurídica perante o Tribunal superior nos casos em que uma decisão positiva seja objeto de recurso interposto pelo Ministério Público. 20. Cabe dizer que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, também invocada pelo recorrente, não oferece outras ponderações. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) vem entendendo que toda a privação da liberdade regularmente produzida, à luz artigo 5.º da Convenção, leva implícita uma certa restrição à vida privada e familiar do interessado, pelo que o controlo dos contactos dos reclusos com o mundo do exterior é admissível e não infringe em si mesmo a Convenção ( Messina c. Itá- lia, n.º 25498/94, 28 de setembro de 2000, §61; Schemkamper c. França, n.º 75833/01, de 18 de janeiro de 2006, §30, Banaszkowski c. Polónia , n.º 40950/12, 25 de março de 2014, §20). E, na espécie, pese a impor- tância dos laços familiares e sociais, considera o TEDH que o direito do recluso de beneficiar de autorizações
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