TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
698 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL confronto processual penal”. O que significa também que o arguido não deve ter menos direitos do que a acusação, mas não que não possa mais” (…).» Não é esse, porém, o âmbito de aplicação da norma aqui em análise. Como se disse supra, não estamos perante relação jurídico-processual que tenha como sujeito o arguido e em que se possa considerar presente uma “radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa” em que “só a compensação desta, mediante específicas garantias, [possa] atenuar essa desigualdade de armas” (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , p. 516). 19. A questão colocada versa uma desigualdade entre sujeitos do processo de execução de penas privati- vas da liberdade, apontando o recorrente diferença de tratamento no campo do direito ao recurso (cfr. supra, ponto 4, 38.ª e 39.ª). Diferenciação essa que, de facto, decorre da normação constante do CEP. Com efeito, mostra-se inequívoco que o legislador do CEP conformou o sistema de recursos em termos díspares quanto ao Ministério Público e quanto ao recluso. Por regra, sempre que a decisão jurisdicional admite recurso – o que, de acordo com o disposto no artigo 235.º do CEP, carece de previsão legal expressa – o Ministério Público dispõe de legitimidade para o interpor, mas nem sempre ao recluso assiste idêntica faculdade. É o que acontece com a impugnação perante o Tribunal da Relação da decisão do juiz do Tribunal de Execução das Penas em matéria de saída jurisdicional, pois o Ministério Público pode recorrer da decisão em qualquer um dos seus sentidos possíveis – concessão, recusa ou revogação – enquanto o recluso apenas tem ao seu dispor a impugnação deste último sentido decisório. Entende o recorrente que, podendo o Ministério Público recorrer em seu desfavor, ou seja, impugnar perante tribunal superior a decisão que lhe conceda a licença jurisdicional, está criada uma “desigualdade de direitos das partes”, na medida em que o recluso, pessoal e diretamente afetado, se encontra impedido de obter a reapreciação por tribunal superior da decisão judicial de sentido oposto, denegando-lhe a pretensão de saída. Porém, toda essa argumentação enferma do vício de encarar os sujeitos e as relações intersubjetivas comportadas na dimensão adjetiva da execução das penas como “partes”, condição que, tal como em geral na relação processual no domínio criminal, não assenta à posição jurídica do Ministério Público (ou à de qual- quer outro sujeito) na fase de execução da reação criminal. Tem aqui inteira aplicação a asserção proferida por Figueiredo Dias: “De início até ao fim do processo a vocação do ministério Público não é a de “parte”, mas a de entidade unicamente interessada na descoberta da verdade e na realização do direito” [Sobre os sujeitos (…), cit, p. 31]. Por ser assim, Anabela Miranda Rodrigues considerou que a extensão do controlo jurisdicional a qual- quer questão relativa à modelação da execução que possa contender com os direitos do recluso deveria ser acompanhada de uma “nova repartição de competências em que deveriam participar o Ministério Público e o juiz”, que poderia significar “por um lado, que deve ser o Ministério Público que compete, nomeadamente, visitar os estabelecimentos prisionais para audição dos reclusos, bem como decidir, por exemplo, da conces- são de licenças de saída”, com possibilidade de impugnação pelo recluso das decisões negativas perante o Juiz de Execução das Penas, por entender que “[a] intervenção do Ministério Público não significa uma menor garantia dos direitos do recluso” [ Novo Olhar (…), cit., p. 138]; no mesmo sentido, Da «afirmação de direitos» à «proteção de direitos» dos reclusos: a jurisdicionalização da execução da pena de prisão, Direito e Justiça, 2004, pp. 191-192). A posição jurídica do Ministério Público concretizada no Código de Execução das Penas não se afas- tou do modelo de intervenção como órgão de justiça encarregado de efetivar a harmonização prática entre os valores da liberdade e segurança consagrados na Constituição e de sustentar o princípio da legalidade, como fundamento do Estado (cfr. Cunha Rodrigues, “Sobre o Princípio da Igualdade de Armas”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , Ano I, Fascículo 1, p. 86), pese embora sem levar avante a repartição de competências sugerida pela autora atrás referida. Ainda assim, afirma-se na Proposta de Lei n.º 252/X que
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