TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

695 acórdão n.º 560/14 vivência quotidiana do mesmo, bem como enveredar por atividade profissional lícita, sendo certo que as regras de conduta e obrigações a que fica sujeito o condenado apresentam um diminuto grau de densidade comparadas com a verdadeira reclusão, não justificando a sua equiparação a esta.» Importa ainda notar que a liberdade condicional encontra os seus pressupostos previstos no Código Penal, em consonância com os efeitos materiais duradouros na esfera jurídica do condenado que produz, de passagem até ao final do tempo fixado como pena de um estado de reclusão para outro, de liberdade, ainda que sujeito ao cumprimento vigiado de regras de conduta. Integra, pois, a regulação diretamente atinente à determinação prática do conteúdo da sentença condenatória e, portanto, à realização concreta da reação criminal, integrando a dimensão substantiva do direito de execução das penas [cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º Volume, Coimbra Editora, 1981, pp. 37-38; Anabela Miranda Rodrigues, Novo Olhar (…) , cit., p. 24]. Compreende-se, a esta luz, que se tenha entendido no Acórdão n.º 638/06, que, mais do que uma modelação da execução da pena de prisão que contendia com os direitos do recluso, necessariamente sujeita a controle jurisdicional, as decisões sobre liberdade condicional deveriam ser reconduzidas “ao figurino normal das decisões judiciais em matéria penal”, para concluir que “a decisão que nega a liberdade condicional, por ter como efeito a manutenção da privação da liberdade, tem uma indiscutível conexão com a restrição de direitos, liberdades e garantias, afetando um bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, protegido no n.º 1 do artigo 27.º da Constituição”. 15. Diversamente, a licença de saída jurisdicional não comporta alteração substancial do estatuto jurí- dico do recluso e não assume a natureza de “incidente da execução”, no sentido restrito e técnico de lhe cabe, isto é, de questão que tem como objeto “dúvidas de caráter contencioso acerca da interpretação, aplicação ou eficácia da sentença condenatória” (cfr. Beleza dos Santos, “Os Tribunais de Execução das Penas em Portu- gal”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , Separata, 1953, p. 12). O estado de privação da liberdade continua a ser, ainda que pontualmente interrompido pelo contacto com o ambiente externo, em obediência aos princípios da socialização e da individualização do tratamento prisional, “inevitalmente programado e faseado, favorecendo a aproximação progressiva à vida livre, através das necessárias alterações do regime de execução” (cfr. Acórdão n.º 427/09). No seu termo, o recluso tem o dever de se apresentar no estabelecimento prisional [artigo 8.º, alínea b) , do CEP], sinalizando a continui- dade da vinculação derivada da condição de reclusão. Assim, a saída jurisdicional, pela sua condição transitória e duração de dias – insuscetível de fundar por si só um novo sentido de orientação social –, não extravasa a condição de medida de flexibilização do cumprimento da pena privativa da liberdade, que se reconduz à compatibilização da modelação da vida do recluso em ambiente prisional com a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e à sua preparação para que conduzir a vida em ambiente livre de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (artigos 42.º do CP e 2.º do CEP). Mesmo que os deveres diretamente relacionados com a permanência no interior do estabelecimento se suspendam formalmente durante o tempo de saída – o que acontece naturalmente também com as licenças de saída administrativas, em particular com as que não comportam custódia –, o estatuto vigente continua a ser, durante todo esse período, o de recluso, permanecendo todas as vinculações e o feixe de ligações ao sistema prisional nele comportadas. Em consonância, o mandado emitido pelo juiz de execução das penas e executado pelos serviços prisionais é normativamente designado como mandado de saída (artigo 193.º), e não de liberdade, dando tradução à alteridade do significado do contacto com o meio livre por parte do recluso relativamente à liberdade condicional. Por outro lado, como nota Anabela Rodrigues, a própria forma de “licença” que reveste a decisão sobre a autorização de saída do estabelecimento prisional admite um certo grau de discricionariedade (cfr. A Posição Jurídica do Recluso na Execução da Pena Privativa de Liberdade, Seu Fundamento e âmbito, Coimbra, 1982,

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