TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

694 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL exata a afirmação do recorrente de que “em ambas as situações, o arguido condenado preso continua sempre em prisão, mas em diferente modo de execução da pena privativa da liberdade”. A incorreção da expressão não reside no seu segmento final: quer o tempo correspondente à liberdade condicional, quer os dias passados no gozo de licença de saída jurisdicional, normativamente equivalentes aos passados no estabelecimento prisional (artigo 77.º, n.º 1, do CEP), constituem modos de execução de pena privativa da liberdade e, do ponto de vista do sujeito, comportam em comum o significado de que não passará confinado ou sob custódia por todo o tempo fixado na pena ditada pela sentença condenatória. Nesse sentido, há razões para dizer que ambas comportam um nexo com a privação da liberdade sofrida pelo recluso. O ponto de afastamento encontra-se na afirmação inicial, que tem implícito o sentido de que o grau de afetação da posição jurídica do recluso presente na concessão de liberdade condicional, por um lado, e na emissão de licença de saída jurisdicional, por outro, – máxima nas decisões judiciais que deneguem uma ou outra – são jurídico materialmente assimiláveis, pois assim não acontece. A liberdade condicional constitui uma etapa do cumprimento da pena de prisão e prossegue essen- cialmente finalidades de prevenção especial, em função de uma prognose positiva sobre a suficiência da continuação da socialização do condenado pelo tempo que lhe resta cumprir inteiramente em meio livre. Assume hoje claramente a natureza de incidente da execução da pena (cfr. o Acórdão n.º 181/10 sobre a sua evolução), justificado político criminalmente pela “vertente social ou intervencionista do modelo do Estado de direito material, implícito à CRP de 1976”, inscrevendo-se neste âmbito a “ressocialização dos criminosos como concretização do dever geral de solidariedade e de auxílio às pessoas que deles se encontrarem careci- das” (cfr. A. Almeida Costa, “Passado, presente e futuro da liberdade condicional no direito português”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , Separata, 1989, p. 54) e por apelo ao princípio da necessidade da intervenção penal que se extrai dos artigos 27.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição (cfr. Acórdão n.º 427/09 e Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2007, p. 128). Daí que, uma vez colocado o condenado em liberdade condicional, cesse a ligação jurídica e material entre o recluso e o estabelecimento prisional, completado que foi o iter de progressiva aproximação à vida livre (pese embora com condicionamentos e vigilância) e cujo programa encontra ligação direita com a duração da pena fixada. A própria liquidação da pena concretiza a noção de inscrição da medida com parte principal de um plano de (res)socialização a desenvolver ao longo da execução da sentença condenatória ao impor a contagem e comunicação ao condenado dos momentos relevantes para a admissibilidade de liber- dade condicional (artigo 477.º, n. os 2 e 3, do CPP). Mesmo o regresso do condenado colocado em liberdade condicional à condição de reclusão, em caso de revogação da liberdade condicional, não posterga o que se vem de dizer. A concretização dessa eventualidade será consequência de conduta do condenado em meio livre, e não do desenvolvimento de qualquer modo descontínuo de execução da pena que esteja ínsito na condenação (cfr. Lopes Rocha, Execução das Penas e Medidas de Segurança Privativa da Liberdade, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 484). A clara diferenciação entre a reclusão e a colocação do condenado em liberdade condicional, ainda que ambas as condições sejam, no plano do exercício da ação punitiva do Estado, estados de cumprimento de pena, encontra-se sublinhada no Acórdão n.º 161/10: «A liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade de condenado a pena de prisão durante um período não superior a cinco anos, depois de aquele haver cumprido um período mínimo legal de reclusão e mediante o seu consentimento. Trata-se de substituição parcial de um certo período detentivo por outro não deten- tivo; é uma medida não detentiva, substituindo a pena de prisão e aquela é um incidente da execução da pena de prisão, mas de caráter não institucional ou não detentivo (“extramuros”), executada na comunidade, tal como aquela, e como alternativa à continuidade de execução de penas de prisão mais longas. Embora sujeita a deveres e regras de conduta, tem de ser vista como uma verdadeira antecipação da liberdade, à qual o interessado dá a sua adesão, com vigilância do seu comportamento, solidificando as bases de uma real reintegração social. Abando- nando a reclusão, tem a oportunidade de retomar o contacto com o seu grupo familiar e participar ativamente na

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