TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
693 acórdão n.º 560/14 fundamento o sentido da condenação e as exigências próprias da execução (assim, Damião da Cunha, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição da República Anotada , I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 690). Ou seja, o princípio geral é o de que preso mantém todos os direitos e com um âmbito normativo de prote- ção idêntico aos dos outros cidadãos, salvo, evidentemente, as limitações inerentes à própria pena de prisão (vide Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed. 2007, p. 505). Mas às limitações inerentes à privação da liberdade ( maxime a impossibilidade de deslocação) podem acrescer outras limitações, desde que justificadas pela própria execução da pena ( v. g. , limites à liberdade de correspondência ou de reunião). Estas imposições ou restrições têm que estar justificadas em função do “sentido da condenação” e das “exigên- cias próprias da respetiva execução” (n.º 5 do artigo 30.º). Ou seja, estão subordinadas a um princípio de legalidade (exigem previsão legal) e de proporcionalidade (adequação e necessidade). É unânime o entendimento de que está constitucionalmente negado conceber a relação presidiária (e a posição jurídica do recluso nessa relação) como uma “relação especial de poder” (cfr. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit. , 505; e Damião da Cunha, ob. cit., 690). Essa “relação de poder” foi substituída por «relações jurídicas com recíprocos direitos e deveres», em que o recluso não é mais “objeto” mas passou a ser «sujeito da execução» (Anabela Rodrigues, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária, 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 69). Sobre o estatuto jurídico do recluso estabelece o artigo 6.º do CEPMPL que o recluso «mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da decisão de apli- cação de medida privativa da liberdade e as impostas, nos termos e limites do presente Código, por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional». Mantém-se, assim, atual, a afirmação de Figueiredo Dias (“Direito Penal Português, Parte Geral – II”, in As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pp. 111-112) – emitida a propósito do correspondente artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 265/79 – segundo a qual a visão do recluso «é agora a de uma pessoa sujeita a um mero “estatuto especial”, jurídico-constitucionalmente credenciado (CRP, artigo 27.º-2) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais, à exceção daqueles que seja indispensável sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respetivo». 14. O recorrente convoca em apoio da invocação da garantia do direito ao recurso constante do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, o entendimento acolhido no Acórdão n.º 638/06, que transcreveu integral- mente nas suas alegações (cfr. 70.º), reputando os dois casos de “comparáveis e conciliáveis”. É certo que o apontado aresto considerou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Cons- tituição, a norma que vedava o recurso da decisão judicial que negue a concessão da liberdade condicional. Porém, como decorre dos seus fundamentos, não deixou de admitir margem de discussão sobre “se o pro- cesso para concessão da liberdade condicional deve ser considerado processo penal para efeitos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição” (cfr. ponto 6), vindo o Tribunal a mobilizar via alternativa de fundamentação do juízo de inconstitucionalidade, assente em diferentes parâmetros (artigos 20.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, da Cons- tituição), e subsistente “seja qual for o entendimento quanto à exata qualificação dos processos de execução das penas, para o efeito da sua subsunção na noção de «processo criminal» utilizada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição”. De qualquer modo, os elementos em que se alicerçou esse entendimento não encontram aplicação no caso sub juditio. Não estamos, como então acontecia com o procedimento de que depende a concessão de liberdade condicional, perante norma do Código de Processo Penal; ao invés, a concessão pelo juiz de licença de saída sempre encontrou assento na regulação adjetiva específica da execução das penas, encontrando-se agora inserida em diploma codificador autónomo, no qual estão precipitados os princípios e regras da execu- ção das penas e medidas privativas da liberdade, incluindo aqueles que regem o sistema de recursos próprio. Também do ponto de vista substantivo, o grau de afetação subjetiva comportado na decisão que nega a libertação condicional e na decisão que nega a licença de saída jurisdicional não é comparável, pois não é
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