TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
692 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, o estatuto jurídico-constitucional do arguido encontra, de facto, concretização nuclear no precei- tuado no artigo 32.º da Constituição, disposição que aloja os princípios estruturantes do processo criminal, implicando a sua conjugação a assunção plena pelo arguido da condição de sujeito da relação processual – e não de seu objeto – dotado de efetivos meios de proteção, reação e de influência sobre as decisões – em especial as decisões condenatórias – suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica. Como refere Figueiredo Dias, referindo-se às injunções constitucionais a que o legislador do Código de Processo Penal de 1987, na versão original, dera obediência: “O Código confere ao arguido o papel de sujeito do processo sob um duplo ponto de vista, que corresponde essencialmente à dupla referência que lhe é feita no texto constitucional: enquanto a arma, por um lado, com um direito de defesa (artigo 32.º-1) a que por várias formas confere efetividade e consistência; e enquanto lhe confere, por outro lado, uma fundamental presunção de inocência até ao trân- sito em julgado da condenação (artigo 32.º-2)” (“Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual”, in O Novo Código de Processo Penal , Almedina, 1988, p. 27). Justamente, as garantias de defesa em processo criminal, em que se inclui o recurso, estão perspetivadas no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição no quadro de uma estrutura lógico material moldada pela dialética entre acusação e defesa, posições contrapostas que não persistem a partir do momento que transita em jul- gado a condenação numa pena ou medida de segurança. Ultrapassado esse marco, em que o sujeito deixa de estar confrontado por uma acusação – e a exercer um direito de defesa face à mesma – para passar a suportar os efeitos restritivos decorrente do título judiciário de execução de uma pena, o estatuto jurídico-constitu- cional relevante para efeito de aferir das garantias do sujeito em reclusão por efeito de execução de sanção criminal, como aqui acontece, passa a ser o de condenado, na espécie de condenado em pena ou medida de segurança privativas da liberdade, que encontra a sua esfera jurídica conformada no plano jusfundamental pelo disposto no n.º 5 do artigo 30.º da Constituição: “[O]s condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limi- tações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução”. OTribunal Constitucional tomou já posição no sentido da exclusão dos condenados que se encontrem em cumprimento de pena privativa da liberdade relativamente a medida de flexibilização do cumprimento de pena privativa da liberdade (por passagem do regime de confinamento intramuros para o de vinculação à permanên- cia na habitação) do âmbito subjetivo de proteção do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, tendo em atenção a norma do artigo 179.º, n.º 1, do CEP, que veda o direito ao recurso da decisão do juiz do Tribunal de Execução das Penas que indefira o pedido do recuso de aplicação do regime de adaptação à liberdade condicional. Fê-lo no Acórdão n.º 150/13, em que se firmou o entendimento de que “não estamos perante um arguido em pro- cesso penal tout court, mas antes perante um recluso em cumprimento de pena privativa da liberdade (conde- nado), que, obviamente, mantendo a titularidade dos direitos fundamentais, não poderá deixar de suportar as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução – artigo 30.º, n. os 4 e 5, da Constituição”, para concluir que “(…) não se vê, mau grado o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, que tal norma possa ser convocada no caso sub juditio , não obstante a maior judi- cialização que o novo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade veio trazer ao Processo de Execução de Penas, porquanto não estamos perante um processo criminal que nela se prevê.” Daí que o Tribunal tenha, sempre que chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade de norma inscrita no âmbito da execução de pena ou medida de segurança privativas da liberdade, relevado fundamentalmente o estatuto jurídico do recluso (o problema coloca-se em termos distintos perante reclusão em cumprimento de medida de coação privativa da liberdade, em que confluem as condições de arguido e de recluso, como acontecia no caso sobre que versou o Acórdão n.º 848/13), cuja consagração no direito ordi- nário, mais propriamente no artigo 6.º do CEP, foi explicitada no Acórdão n.º 20/12, nos termos seguintes: «(…) Desta norma constitucional [o n.º 5 do artigo 30.º] extraem-se três consequências: i) o recluso perma- nece titular de todos os seus direitos fundamentais; ii) a restrição destes direitos fundamentais pressupõe sempre uma lei, que obedecerá aos princípios estabelecidos no artigo 18.º da Constituição; iii) a restrição tem que ter por
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