TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

69 acórdão n.º 575/14 E não há dúvidas quanto à relevância constitucional que assume a imperatividade de realização de políticas públicas que assegurem a disciplina orçamental, tal como esta última é imposta à República, desde logo, pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordena- ção e Governação na União Económica e Monetária, bem como pelas demais normas de direito externo ao Estado português e de direito interno que concretizam as obrigações implícitas à referida disciplina. Está em causa, neste domínio, não apenas o cumprimento leal do dever, constitucionalmente assumido, de “empe- nhamento” de Portugal “no reforço da identidade europeia” (artigo 7.º, n.º 5, da CRP), mas ainda o cumpri- mento leal do dever que as gerações presentes assumem perante as gerações futuras, dever esse que se traduz em impedir a existência de uma dívida pública que, onerando e pré-determinando as suas escolhas, diminua a capacidade que não podem deixar de ter essas mesmas gerações de se conduzir nos termos prescritos, desde logo, pelos artigos 1.º e 2.º da Constituição. As exigências decorrentes deste último ponto, que diz respeito ao cumprimento leal do contrato entre gerações que a subsistência da ordem constitucional portuguesa (como a de qualquer outra) pressupõe, fazem-se sentir de forma ainda mais premente na necessidade, também invocada na exposição de motivos da proposta apresentada à Assembleia, de encontrar soluções para o problema da sustentabilidade do sistema de segurança social, sobretudo na sua vertente de sistema previdencial. Na verdade, um modelo jurídico que rigidamente mantenha, neste domínio, as soluções pensadas pelo Direito definido no passado, pode traduzir-se num trato injusto entre as gerações atuais de beneficiários do sistema previdencial e as gerações que compõem, no presente, a população ativa portuguesa, e que, através das suas “quotizações” e “contribuições”, garantem na atualidade o financiamento do modelo previdencial tal como ele existe. Numa circunstância histórica em que constrangimentos de ordem económica (a perda de receitas desse mesmo sistema, causada pelo aumento do desemprego e pelos fluxos migratórios) e cons- trangimentos de ordem demográfica (o aumento de esperança média de vida e a diminuição da natalidade) determinam o desequilíbrio financeiro de um sistema que foi concebido, enquanto sistema harmonioso e justo, num diferente contexto, há que ter em linha de conta que a proteção da confiança daqueles que modelaram os seus planos de vida em função de um Direito em certo momento vigente se não pode fazer a qualquer preço. Sobretudo, não pode deixar de ser contrabalançada com as incertas “expectativas” que, pela natureza das coisas, detêm as gerações presentes de trabalhadores e contribuintes em virem mais tarde a bene- ficiar do mesmo sistema. Tanto bastaria para que, prima facie , se justificasse que, através da consideração da sustentabilidade, se exigisse aos atuais pensionistas um acréscimo de esforço para a manutenção do modelo de solidariedade social do qual beneficiam, modelo esse que não pode deixar de conter equilíbrios justos no trato entre as diferentes gerações. A este argumento, que revela só por si o peso dos “direitos e interesses constitucionalmente protegidos” que são contrapostos aos direitos lesados, justificando portanto, na ótica do autor da norma, a sua afetação, acresce um outro. Como vimos, não se encontra na disponibilidade do legislador ordinário determinar se existe ou não existe um “sistema de segurança social” que proteja os cidadãos na velhice e em outras situações de “falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”. Como lhe não cabe determinar se incumbe ou não ao Estado organizar e coordenar esse sistema, enquanto primeiro responsável pelo, e garante último do, seu funcionamento. Estas decisões não se encontram à disposição do legislador ordinário porque foram já tomadas pela Constituição no seu artigo 63.º Daqui decorre que, perante os desequilíbrios tão manifestos de um sistema de segurança social que, a manter-se tal como está, poderá obrigar a República a incumprir as obrigações de disciplina orçamental que assumiu face aos seus parceiros na União Europeia – o que, por seu turno, poderá implicar que os interesses e os direitos constitucionalmente protegidos das gerações futuras sejam sacrificados à satisfação dos direitos e interesses (também constitucionalmente protegidos) das gerações presentes –, o legislador ordinário tem, face à Constituição, o poder de modificar o sistema, adequando-o às presentes exigências históricas. É o que

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=