TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
687 acórdão n.º 560/14 Cabe referir que, em alegações, o recorrente procura alargar o objeto do recurso, argumentando fre- quentemente também no sentido da apreciação da conformidade constitucional também do disposto no artigo 235.º do CEP e, mais genericamente, dos limites impostos pelo legislador ordinário ao recurso do recluso, independentemente do que seja a posição do Ministério Público. Nessa parte, porque visando sen- tido normativo não enunciado no requerimento de interposição, não pode o recurso ser conhecido. 8. O que se vem de dizer poderá levar a por em crise a utilidade do recurso, na medida em que a decisão recorrida alude à conjugação do disposto no artigo 196.º, n.º 2, com o artigo 235.º, n.º 1, ambos do CEP. Com efeito, na economia da decisão recorrida, a inadmissibilidade do recurso deriva do regime regra, que exige disposição expressa a prever a recorribilidade da decisão, denotando-se a vontade do legislador de vedar o recurso ao recluso da tais decisões não só da ausência de norma que positive essa via de impugnação, como da inscrição do advérbio “apenas” no n.º 2 do artigo 196.º do CEP, limitando expressamente o recurso do recluso à impugnação da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional. Todavia, na ótica interpretativa da decisão recorrida, cuja bondade não cabe a este Tribunal apreciar, ao disposto no n.º 2 do artigo 196.º do CEP é igualmente apontado efeito restritivo autónomo, operando no domínio da legitimidade do condenado para recorrer das decisões contra si proferidas para os efeitos do disposto no proémio do artigo 236.º do CEP. Então, a eventual procedência do recurso conduzirá ao afas- tamento da norma alojada no n.º 2 do artigo 196.º do CEP que, para o tribunal a quo, veda ao recluso a possibilidade de ver apreciadas tais decisões pelos tribunais da relação, em recurso. Nessa medida, a questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente mostra-se idónea a atingir a reformulação da decisão recorrida (artigo 80.º, n.º 2, da LTC), nada obstando ao conhecimento do recurso. B) Enquadramento 9. Em geral, as origens da previsão normativa de concessão ao recluso de um período de alguns dias de saída uma vez franqueado ponto determinado da pena a cumprir e verificada “boa conduta” podem ser traçadas ao início do século XX e ao ordenamento penitenciário helvético (assim, S. L. Gomez, Clasificación Penitenciaria, permisos de salida y extrangeros en prisión, Nuevo Regímen jurídico, Dickinson, 2009, acedido em http://vlex.ch/jurisdictions/SW ). 9.1. A possibilidade de concessão de licença de saída do estabelecimento prisional ao recluso por decisão judicial foi introduzida pela Lei Orgânica dos Tribunais de Execução das Penas, constante do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de outubro, sendo apresentada como “medida inovadora” e vertente da promoção da rein- serção social do recluso e reforço da intervenção garantística do Tribunal de Execução das Penas, incutidas nesse diploma. Com a designação de saída precária prolongada, o legislador dedicou-lhe todo o capítulo VI (artigos 34.º a 38.º, completados pelas regras processuais dos artigos 70.º a 73.º e 86.º a 89.º do referido Decreto- -Lei, na numeração originária) e atribuiu ao juiz do tribunal de execução das penas a competência para a sua concessão e revogação (artigo 23.º, n.º 4). A decisão positiva ficou dependente, como pressuposto formal, da execução de pena privativa da liberdade de duração superior a seis meses e do cumprimento de um quarto da pena, e, como pressuposto material, da verificação de razões para que “se entenda que esta providência favorece a (…) reintegração social” do recluso. A sua duração não podia ultrapassar oito dias, sendo suscetível de vir a ser renovada de seis em seis meses, contando o período de saída como de cumprimento da pena, sem prejuízo de acrescer ao tempo de execução da pena em caso de revogação (artigos 36.º, n.º 1 e 38.º). No plano do recurso, estatuindo o artigo 125.º a regra de que “[d] as decisões do tribunal de execução das penas recorre-se para a Relação”, o artigo 127.º introduziu, como exceção, a irrecorribilidade das decisões que “concedam ou neguem” a saída precária prolongada e bem assim da decisão de revogação da licença de saída.
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