TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
68 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL comunidade política no seu todo) de proteção das pessoas na velhice, quando a obtenção de rendimentos provenientes do trabalho já não é existencialmente possível – se ao legislador compete a determinação do como da obtenção da pensão, mas já não a decisão quanto ao seu se –, então, haverá que concluir que a mesma CRP não é valorativamente neutra quanto ao modo pelo qual o direito à pensão já recebida é afetado. Não obstante se tratar de um direito criado por lei ordinária, e, por isso mesmo, por lei ordinária revisível, a forma da sua afetação não se pode processar num quadro de indiferença constitucional: estão em causa, neste domínio, as mesmas opções de valor que justificam a previsão, pela CRP, da necessária existência de um sistema de segurança social que «incumbe ao Estado organizar»; as mesmas opções de valor que estão presentes nas normas que definem os programas e tarefas estaduais (artigo 9.º); as mesmas opções de valor que são inerentes a uma República que se empenha na construção de uma «sociedade solidária» (artigo 1.º). É, pois, no contexto destas valorações que se deve medir e avaliar a densidade das expectativas legíti- mas dos particulares à não afetação dos direitos de que são titulares. E, nesse contexto, não pode deixar de concluir-se que, sendo densas tais expectativas, a necessidade de tutela da confiança na sua não frustração o é igualmente. A este ponto acresce um outro. No domínio de um sistema previdencial como o nosso, que, como vimos, se financia (artigo 90.º da Lei de Bases da Segurança Social), quanto a prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho, através de “quotizações dos trabalhadores” e de “contribuições das entidades patronais”, a confiança, para além da dimensão estritamente subjetiva com que até agora foi tratada, adquire ainda uma dimensão objetiva, que se associa à sua própria legitimidade enquanto sistema que implica um contrato entre gerações. Se para as presentes gerações da população ativa portuguesa – as que financiam o sistema previdencial através das suas quotizações – a frustração da confiança das gerações mais velhas, beneficiárias atuais do sistema que finan- ciam, puder aparecer como questão constitucionalmente neutra, indiferente ou irrelevante, nenhuma razão terão elas próprias (as gerações presentes de contribuintes) para confiar na subsistência do modelo para o qual contribuem. Ainda por este motivo, a inexistência de uma tutela forte das «expectativas legítimas» dos pensionistas à não redução do montante das suas pensões parece não ser de aceitar. 24. A redução definitiva do montante de pensões em pagamento é justificada, na exposição de motivos que acompanhou a proposta de lei apresentada à Assembleia da República, precisamente pelas exigências decorrentes do “contrato entre gerações”. E é-o a um triplo título: primeiro, porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a disciplina orçamental a que está obrigado o Estado português não for satisfeita; segundo, porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a questão da sustentabilidade do sistema de segurança social não for, no presente, resolvida; terceiro, porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a geração presentemente beneficiária do sistema (os atuais pensionistas) não contribuir ela própria, no momento atual, para o financiamento do sistema. Assim se fundamenta portanto que a medida de redução definitiva das pensões já em pagamento seja tida pelo legislador como uma contribuição de sustentabilidade. O Tribunal não pode deixar de reconhecer o relevante peso que, à luz da Constituição, detém cada um destes fundamentos. Se a consistência dos direitos afetados é, nos termos dos parâmetros aplicáveis, acen- tuada, não o será menos a consistência da necessidade da sua afetação, dada a relevância dos direitos ou inte- resses, também eles constitucionalmente protegidos, que, de acordo com a exposição de motivos apresentada à Assembleia da República, a justificam. O ponto é determinante, uma vez que o método da ponderação, atrás explicitado, não pode ser com rigor aplicado se se não tiver em linha de conta o peso específico que possui cada uma dos elementos a ponderar. Sendo intenso o grau de não satisfação de um princípio constitu- cional (neste caso, o princípio segundo o qual devem ser protegidas as legítimas expectativas dos pensionistas ao recebimento de um benefício definido e adquirido ao abrigo de Direito anterior), mais intensa terá ainda que ser a razão que justifica essa não satisfação. Quer isto dizer que a afetação dos direitos dos pensionistas só poderá, neste caso e à luz da Constituição, ser desconsiderada, se se mostrar que ela é necessária para satisfa- zer “direitos e interesses constitucionalmente protegidos que se devam considerar prevalecentes”.
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