TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
678 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 35.º Não se acolhe a fundamentação do Exmo. Sr. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto, no despa- cho com data de 15-11-2013, quando refere que “o reclamante parece não dar conta, ou relevo, à circunstância de a possibilidade de o Ministério Público recorrer da decisão de recusa não considerar uma desigualdade em desfavor do condenado, pois essa possibilidade de recurso do Ministério Público foi consagrada formal e materialmente em favor do arguido, não é um direito concedido ao Ministério Público em desfavor do arguido é um direito, que o Ministério Público exercita ou não, em favor do condenado, constituindo mais uma garantia para o condenado”. 36.º Isto porque o artigo 196.º n.º 1 do CEP não tem na sua génese um direito do arguido recluso, já que o MP pode recorrer contra ou em favor do recluso e não exclusivamente em favor do recluso, havendo exemplos de jurisprudência superior em que o MP recorreu de facto contra o recluso, o que configura assim uma desigualdade de direitos das partes, pois o MP tem a opção de recorrer, mas o recluso não tem essa opção. 37.º O argumento do Tribunal da Relação do Porto não levou em conta o facto de apenas o Ministério Público poder recorrer da decisão que “conceda” a licença de saída jurisdicional, prejudicando assim o recluso, que não o pode fazer. 38.º Há por isso uma clara desigualdade de armas (entre o arguido recluso e o M.P.) que o Tribunal da Relação do Porto não considerou, pois cingiu-se e limitou-se a uma interpretação literal do conteúdo da norma ora em crise (artigo 196.º n.º 2 do CEP). 39.º Isto porque o Ministério Público, a uma decisão do TEP que conceda a licença de saída jurisdicional, pode recorrer contra o recluso; porém, se for recusada essa licença de saída jurisdicional ao recluso, este não tem o mesmo poder recursório de que possa abrir mão, em defesa dos seus direitos, garantindo a igualdade de armas – processo equitativo. 40.º Defendeu ainda a decisão singular do Tribunal da Relação do Porto que o catálogo de direitos do artigo 32.º da Constituição está perspetivado tendo em vista fundamentalmente o arguido e não o condenado. 41.º Ora, tal argumento é quase ofensivo dos direitos do arguido recluso. 42.º É o próprio Tribunal da Relação do Porto que, por duas vezes, pelo menos, apelida o recorrente de “arguido” no seu despacho. 43.º Perante tal argumento do TRP, está em causa a violação do artigo 13.º n.º 1 da CRP, já que ali se pretende dizer que os cidadãos arguidos recluídos têm menos direitos que os cidadãos em liberdade, ainda que ambos sejam arguidos e condenados perante a Lei. 44.º O artigo 32.º n.º 1 da CRP assegura todos os direito de defesa, incluindo o recurso, não distinguido o tipo de arguido, de crime, se está recluso ou em liberdade! 45.º Não colhe por isso o argumento do Tribunal da Relação do Porto, que está em clara violação do princípio ínsito nos artigos 13.º e 32.º n.º 1 da CRP. 46.º Os direitos dos cidadãos só podem ser limitados por força da decisão judicial e baseada na Lei (se nela ficar prevista alguma proibição), tal como o Direito à Liberdade, no caso de pena de prisão. 47.º Quanto aos outros Direitos, estes permanecem inalterados (veja-se o exercício do direito ao voto, que não se perde mesmo no caso de reclusão). 48.º O Acórdão n.º 150/2013, do Tribunal Constitucional, refere que: “essa relação de poder foi substituída por relações jurídicas com recíprocos direitos e deveres, em que o recluso não é mais “objeto” mas passou a ser “sujeito da execução” (Anabela Rodrigues, Novo Olhar sobre a questão penitenciária, 2.ª edição, Coimbra, 2002, p. 69). 49.º Invoca este mesmo acórdão o Decreto-Lei n.º 265/79, segundo a qual a visão do recluso «é agora a de uma pessoa sujeita a um mero “estatuto especial”, jurídico-constitucionalmente credenciado (CRP, artigo 27.º-2) e que deixa permanecer naquela a titularidade de todos os direitos fundamentais, à exceção daqueles que seja indispensá- vel sacrificar ou limitar (e só na medida em que o seja) para realização das finalidades em nome das quais a ordem jurídico-constitucional credenciou o estatuto especial respetivo». 50.º O Tribunal da Relação do Porto não considerou nem qualificou corretamente a situação de alguém que está preso, em cumprimento de pena de prisão aplicada.
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