TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
677 acórdão n.º 560/14 16.º Por conseguinte, há uma clara inconstitucionalidade do artigo 196.º n.º 2 do CEP, já que está vedado ao recluso – pessoa afetada pessoalmente – recorrer contra decisão contra si proferida, por não estar expressamente previsto neste artigo. 17.º Não se pode aceitar que o arguido/recluso seja impedido de recorrer de uma decisão que o afeta pessoal- mente, quando o Ministério Público, que não está recluído nem privado do seu direito à Liberdade (artigo 27.º n.º 1 da CRP), pode, de forma mais abrangente, recorrer dessa decisão que “conceda, recuse ou revogue”. 18.º Não há inconstitucionalidade mais grave que aquela que atinge o Direito à Liberdade, relativo a uma saída precária. 19.º Está em causa o artigo 32.º da Constituição, relativo às garantias do Processo Penal, e ainda o artigo 18.º da Lei Fundamental – direito fundamental – Direito à Liberdade, consubstanciado na possibilidade do arguido recorrer de uma decisão que não lhe concede uma licença de saída jurisdicional, vulgarmente designada de saída precária. 20.º O cumprimento de pena de prisão por um condenado visa, entre outras coisas, reeducar o indivíduo, ressocializa-lo e reintegra-lo na sociedade. 21.º Estas são as finalidades da punição em penas de prisão. 22.º Atendendo a estes princípios, é garantido que a Lei prevê a concessão de saídas jurisdicionais, previstas pelo artigo 78.º do CEP, que refere que podem ser concedidas licenças de saída quando se verifiquem certos requi- sitos. 23.º Trata-se, neste caso, de um verdadeiro poder-dever do Estado, a quem incumbe auxiliar o recluso (artigo 2.º e 9.º da Constituição). 24.º Em matéria de concessão de saídas jurisdicionais, sempre que as mesmas forem recusadas, deve o arguido recluso ter direito a recorrer, caso entenda que a decisão contra si proferida o prejudica, como foi o caso. 25.º Trata-se de uma verdadeira questão de constitucionalidade a de saber se a Lei (ordinária) pode restringir os direitos, liberdades e garantias, incluindo o recurso, para além dos casos previstos na CRP. 26.º Nos presentes autos, esse limite é imposto por lei ordinária, concretamente pelos artigos 196.º n.º 2 e 235.º do CEP ( ex vi artigo 414.º do CPP). 27.º Daqui decorreu o fundamento para o arguido/recluso interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º n.º 1 alínea b) da Lei 28/82 de 15 de novembro. 28.º O presente recurso destina-se a apreciar a constitucionalidade do artigo 196.º n.º 2 do CEP, aplicada nos presentes autos, pelo facto do Ministério Público ter mais poderes que o arguido recluso, em prejuízo deste (art. 196.º, n.º 1 do CEP), já que vê o seu direito negado, em violação com o estatuído no artigo 32.º n.º 1 da Consti- tuição – garantias de defesa do arguido – e dos princípios da igualdade, proporcionalidade, não discriminação e os fins das penas, previstos na Lei Fundamental. 29.º A norma que se pretende ver apreciada impede o arguido recluso de recorrer contra decisão que não lhe concedeu a licença de saída jurisdicional, o que está em claro confronto com a Constituição da República Portu- guesa, nomeadamente com os artigos 2.º, 9.º, 18.º, e 32.º n.º 1 e ainda o artigo 13.º “Direito a recurso efetivo”, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, aprovado e publicado em Diário da República a 9 março de 1978. 30.º A dita norma põe em causa direitos fundamentais, concretamente o Direito ao Recurso, incorporado na Constituição da República, na 4.ª revisão Constitucional, aprovada pela Lei n.º 1/1997 de 20-09, que ao seu artigo 32.º, n.º 1, lhe acrescentou a expressão “incluindo o recurso”. 31.º Prevê o artigo 8.º da DUDH que toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra atos que violem direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela Lei. 32.º É sobejamente reconhecido que assiste a todos, pelo menos, um grau de recurso efetivo. 33.º In casu, isso não aconteceu, porquanto o artigo 196.º n.º 2 do CEP prevê essa proibição oculta, essa res- trição, essa limitação aos direitos do recluso. 34.º Porém, o Ministério Público, pelo n.º 1 do mesmo artigo 196.º pode recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue.
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