TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
67 acórdão n.º 575/14 Contudo, não obstante a nova disciplina jurídica das pensões pretender produzir efeitos apenas para o futuro, a verdade é que ela se repercute sobre o passado, na medida em que vem redefinir posições jurídico- -subjetivas constituídas ao abrigo de lei anterior. Como já se viu, o direito ao recebimento de uma pensão, a título de prestação substitutiva dos rendi- mentos de um trabalho que antes se realizou, constitui-se mediante o cumprimento de certas e determina- das obrigações que a lei determina, e que são, não apenas o pressuposto necessário da aquisição do direito (no momento igualmente definido pelo sistema legal) mas também a medida do benefício que, chegado o momento certo, se passará a receber. Quer isto dizer que, se é verdade que o direito à pensão é um direito líquido e certo nos termos da lei, também é verdade que a sua formação implicou um processo longo, que se foi protraindo no tempo. Para cada uma das fases desse processo houve direito aplicável, que determinava o regime e o quantum das obrigações que se deveriam cumprir, a idade a partir da qual o direito a receber o benefício se constituiria na esfera jurídica do contribuinte-beneficiário, e o montante definido em que ele se traduziria. Assim, qualquer alteração legislativa que viesse a incidir sobre a redefinição de uma qualquer destas fases antes da aquisição final do direito à pensão seria, para os quadros conceituais das relações das leis no tempo, sempre «retrospetiva» ou «impropriamente retroativa», na exata medida em que vinha redefinir a disciplina jurídica de uma relação que se estabelecera entre o contribuinte-beneficiário e a comunidade no seu todo (através do sistema de segurança social) a partir do momento em que aquele iniciara a sua carreira contributiva. Disto mesmo se deu aliás conta o Tribunal nos exemplos dos Acórdãos n. os 302/06, 188/09 e 3/10, quando estavam em juízo, precisamente, novos regimes legais que alteravam regras preexistentes sobre o processo, já iniciado mas ainda não concluído, de formação do direito ao recebimento de pensões. Em todas estas situações o Tribunal invocou o parâmetro da proteção da confiança para poder sustentar o seu jul- gamento – que em nenhum destes casos foi de acolhimento da inconstitucionalidade – precisamente porque considerou que a lei nova, se bem que fixando os seus efeitos apenas para o futuro, não deixava de redefinir o passado em termos jurídico-constitucionalmente relevantes. Contudo, se assim é para as situações em que a lei nova vem redefinir os termos em que deve decorrer o processo de formação do direito à pensão, por maioria de razão o será nas situações em que, como no presente caso, a mudança legislativa se traduz numa alteração in pejus do montante de uma pensão já em pagamento. Nestas circunstâncias, a lei nova, se bem que não formalmente aplicável a factos pretéritos, opera uma acentuada redefinição jurídica do passado, alterando os termos de exercício de um direito já completa- mente formado, que a Lei de Bases da Segurança Social qualifica apropriadamente como «direito adquirido». Assim, se, no caso de alteração das regras de formação das pensões antes de estas existirem como direi- tos «fechados» para os seus beneficiários, já se mostrava adequado convocar o parâmetro da proteção da confiança para medir da admissibilidade da mutação legislativa, por maioria de razão o será nos casos em que o que está em causa é uma alteração que incide sobre o montante de uma pensão que já se recebe. É que, nestes casos, e como se disse no Acórdão n.º 862/13, «o beneficiário viu entrar na sua esfera jurídica um direito subjetivo com contornos exatos, estando em situação de exigir do Estado a prestação que lhe é devida», pelo que se encontrará à partida «numa situação que carece de uma tutela ainda mais reforçada do que [a de alguém] que está ainda a formar a sua carreira contributiva». Tanto mais que o conteúdo exato, líquido e certo que esse direito hoje tem é função das regras jurídicas vigentes aplicáveis ao tempo em que o mesmo [direito] entrou na “esfera jurídica” do seu titular. A consistência da posição jurídica que é afetada pela entrada em vigor da lei nova parece ser assim, nestas circunstâncias, de grau máximo, para efeitos de um controlo de proteção da confiança. A verificação da consistência dos direitos aqui afetados, e em função da qual deve ser medida a intensi- dade das “expectativas legítimas” dos seus titulares à sua não afetação, é ainda reforçada se tivermos em conta a forma como estes direitos são valorados pela Constituição. Na verdade, se, como vimos, a CRP não deixou à livre disposição do legislador ordinário a decisão sobre a existência ou não existência de uma qualquer forma social ou solidária (regulada e coordenada pela
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