TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

660 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 100.º O Acórdão n.º 23/06, deste Tribunal Constitucional, declarou “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26, n.º 1, 36.º, n.º1 e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”. 101.º No seguimento da publicação do Acórdão n.º 23/06, o Supremo Tribunal de Justiça, em sucessivos acórdãos – bem como outros tribunais superiores – vieram reconhecer a imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, considerando, assim, o direito a conhecer a paternidade como um direito inviolável e imprescritível. 102.º A propositura de acções de investigação de paternidade (ou maternidade) deixou, pois, de estar sujeita, por via da referida jurisprudência do STJ, a um prazo de caducidade, podendo tais acções ser, por isso, intentadas em qualquer altura. 103.º Com a publicação da Lei 14/2009, esta situação, porém, alterou-se, estabelecendo-se, agora, um prazo de dez anos, após se atingir a maioridade ou a emancipação, para a propositura de acções de investigação de maternidade ou de paternidade. 104.º Situações, há, no entanto, como no caso dos presentes autos, em que o direito de acção teria caducado, em resultado da aplicação da Lei n.º 14/2009. 105.º Ora, uma tal consequência – de extinção do direito de investigar a paternidade, por aplicação da Lei n.º 14/2009 –, acaba por revelar-se materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2 da Constituição da República; 106.º Crê-se, com efeito, em face da evolução doutrinal e jurisprudencial, designadamente deste Tribunal Consti- tucional, havida sobre esta matéria, bem como atendendo aos progressos científicos e técnicos dos últimos anos – que permitem, com elevado grau de certeza, definir a origem biológica de uma pessoa, afastando, por essa via, os argumentos relativos à certeza e segurança jurídica do estabelecimento do vínculo de filiação –, que se deverá dar prevalência ao direito de investigar a paternidade biológica. 107.º A faculdade de intentar uma acção de investigação de paternidade assenta num imperativo constitucional que se baseia em vários direitos fundamentais expressamente previstos, tendencialmente ilimitados (vide artigo 18.º, n. os  2 e 3, da CRP): o «direito de constituir família» (vide artigo 36.º, n.º 1), o «direito à integridade pessoal» (vide artigo 25.º), o «direito à identidade pessoal» e o «direito ao desenvolvimento da personalidade” (vide artigo 26.º, CRP), um direito de conformação da própria vida, isto é, um direito de liberdade geral de acção, cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais.

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