TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurídica nova, conquanto pretenda ter efeitos só para o futuro, incide sobre relações jurídicas já existentes, constituídas ao abrigo de Direito anterior – haveria que ponderar. E que a ponderação deveria ser feita entre o peso a dar à “confiança” e “boa-fé” dos cidadãos, que legitimamente contavam ou esperavam a manutenção da disciplina jurídica ao abrigo da qual a sua situação, perante o Direito, fora anteriormente definida, e o peso a dar às razões pelas quais as alterações legislativas vinham «afetar» as suas expectativas legítimas. Mais se concluiu que o resultado da ponderação só poderia ser favorável a estas últimas expectativas, reconhecendo- -lhes uma superior consistência ou um maior peso relativamente ao segundo índice a ponderar, naqueles casos em que a sua afetação se mostrasse inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa. O significado dado a estes últimos termos foi também explicitado: «(…) Em que se traduz esta «inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva». A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mudança da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente prote- gidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão). (…)» Posteriormente, o Acórdão n.º 128/09, e depois dele, entre outros, os Acórdãos n. os 188/09, 187/13 e 862/13, vieram desenvolver um modelo de “testes”. De acordo com este modelo, para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerarem nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento estadual»; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuação do comportamento que gerou a situação de expectativa. A aplicação deste método, assim explicitado pelo Tribunal, a um caso concreto pressupõe antes do mais que se determine, com precisão, se, nesse caso, a norma sob juízo fez protrair os seus efeitos sobre o pas- sado e com que grau de intensidade o fez. Na circunstância de ser positiva a resposta a esta questão, haverá ainda que valorar à luz da Constituição as “expectativas” dos particulares, que confiaram na inexistência da projeção sobre o passado dos efeitos das novas decisões legislativas. E essa valoração só pode incidir sobre a consistência das posições jurídicas subjetivas definidas à luz do Direito anterior, e que vêm agora, pela lei nova, a ser afetadas. Na verdade, as “expectativas” dos particulares na continuidade, e na não disrupção, da ordem jurídica, não são realidades aferíveis ou avaliáveis no plano empírico dos factos. A sua densidade não advém de uma qualquer pré-disposição, anímica ou psicológica, para antecipar mentalmente a iminência ou o risco das alterações legislativas; a sua densidade advém do tipo de direitos de que são titulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituição os valora. O ponto é importante. É que, como se disse no Acór- dão n.º 862/13, quanto mais consistente for o direito do particular, mais exigente deverá ser o controlo da proteção da confiança. 23. No presente caso, estão em juízo medidas contidas num decreto da Assembleia da República (Decreto n.º 262/XII) que visam essencialmente reduzir, a título definitivo, o montante de pensões já em pagamento, e que, nos termos do seu artigo 14.º, deverá entrar em vigor a partir de 1 de janeiro de 2015.
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