TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

655 acórdão n.º 545/14 restantes alíneas do mesmo número, não contende com a qualificação do trabalho organizado por turnos como sendo um regime de flexibilidade de horário. Não sendo materialmente possível efectuar a compensa- ção de todos os turnos a realizar aos sábados com outros períodos horários de serviço urgente em dias que não recaiam num sábado ou durante as férias judiciais, nada impede que a dispensa do trabalho seja concedida pelo número de dias que seja possível compensar. De todo o modo, a impossibilidade de satisfazer total ou parcialmente a condição estipulada na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, não descaracteriza a natureza variável e rotativa do trabalho por turnos e não dispensa o órgão dirigente de obter uma solução de gestão do pessoal que seja consentânea com o exercício de um direito constitucionalmente garantido. 8. Uma interpretação que permita enquadrar como trabalho em «regime de flexibilidade de horário», para efeitos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea a) , o trabalho organizado por turnos é, por outro lado, a única interpretação que se mostra ser conforme à Constituição. Como se fez notar, o direito de liberdade religiosa, consagrado especialmente no n.º 1 do artigo 41.º da Constituição, comporta não apenas uma componente negativa, que «garante ao cidadão uma esfera de autonomia frente ao Estado e implica que este não possa arrogar-se o direito de impor ou de impedir a profissão e a prática em público da religião de uma pessoa ou comunidade», mas também uma componente positiva, que se traduz na criação de «condições para que os cidadãos crentes possam observar os seus deveres religiosos, permitindo-lhes o exercício do direito de viverem na realidade temporal segundo a própria fé e de regularem as relações sociais de acordo com a sua visão da vida e em conformidade com a escala de valores que para eles resulta da fé professada» (Acórdão n.º 174/93). A norma do artigo 14.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa, ao estabelecer para os funcionários e agentes do Estado e de outras entidades públicas, bem como para os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, a possibilidade de suspensão do trabalho, dentro de certas condições, no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, não é mais do que a concretização do direito de liberdade religiosa, constitucionalmente consagrado, na sua ver- tente de dimensão positiva. A interpretação da citada norma em termos de tal modo restritivos que conduza forçosamente a uma aplicação meramente residual e sem qualquer efeito prático minimamente relevante, levaria a concluir pela inconstitucionalidade da norma, no ponto em que uma tal interpretação não salvaguardaria em termos razoáveis o próprio princípio da liberdade religiosa. Será esse caso quando se interprete a disposição – tal como fez o tribunal recorrido – como abrangendo apenas o horário flexível como modalidade específica do horário de trabalho, que teria assim um campo de aplicação circunscrito ao limitado conjunto de serviços ou de empresas que, nos termos da lei ou do direito convencional, e em função também da natureza das suas atividades, pratiquem esse tipo de horário de trabalho. Ora, parece claro que o legislador, ao referir-se ao trabalho em regime de flexibilidade de horário, não está a reportar-se apenas às situações em que os trabalhadores possam gerir os seus tempos de trabalho escolhendo as horas de entrada e de saída, mas também a todas aquelas em que seja possível compatibilizar o cumprimento da duração do trabalho com a dispensa para efeitos da observância dos deveres religiosos. O que parece ser decisivo, face à exigência constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, é que o regime de horário de trabalho aplicável possa permitir a compensação dos períodos de trabalho em que tenha ocorrido a suspensão. Nada obsta, por conseguinte, que no regime de flexibilidade de horário se possam integrar, para além do trabalho por turnos, a que já se fez referência, os horários desfasados, que permitem estabelecer para determinados grupos de pessoal horas fixas diferentes de entrada e de saída, a jornada continua, que permite a concentração da prestação do trabalho num dos períodos do dia, bem como todas as situações de não sujei- ção a horário de trabalho ou de isenção de horário de trabalho. Para além de que os dirigentes dos serviços poderão fixar horários específicos, não apenas nos casos referidos nos n. os 1 e 2 do artigo 22.º do Decreto- -Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto (destinados a trabalhadores-estudantes ou a permitir acompanhamento de

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