TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

654 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É esse também o ponto de partida do acórdão recorrido, que equipara o regime de flexibilidade de horário ao horário flexível, tal como está definido na lei geral para efeitos de organização do trabalho na Administração Pública, e qualifica o serviço de turno como correspondendo a um horário rígido, visto que o interessado não dispõe da liberdade, relativamente a cada um desses períodos de trabalho, de escolher as horas de entrada e de saída. Essa não parece ser, desde logo, a melhor interpretação. A norma do alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º não pode ser entendida como uma norma em branco que se limite a remeter para outras disposições da mesma ou de uma diferente instância legislativa ou para instrumentos normativos inferiores a concretização do conceito de flexibilidade de horário. Se assim fosse, o exercício de um direito fundamental poderia ser vedado ou fortemente coartado sempre o legislador ordiná- rio optasse por eliminar o horário flexível como modalidade de horário de trabalho na Administração Pública ou restringisse o seu campo de aplicação, ou ainda quando as partes contratantes, no âmbito das relações de trabalho do sector privado, estipulassem não convencionar esse horário de trabalho ou o substituíssem por um outro que se não integrasse no conceito típico do horário flexível. A formulação da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º, como tudo indica, não é diretamente reconduzível a uma modalidade específica de horário de trabalho, nem corresponde ao significado técnico-jurídico de horá- rio flexível que o legislador adota noutros lugares do sistema e para outros efeitos legais, e possui antes um alcance mais abrangente que carece de ser definido e caracterizado em função do caso concreto. E nada obsta a que o regime de flexibilidade a que a lei se refere seja aplicável ao trabalho por turnos, visto que, pela sua própria natureza e razão de ser, esse tipo de trabalho está sujeito a um critério de rotativi- dade e uma variação regular do respectivo pessoal. E isso é particularmente evidente relativamente aos magistrados do Ministério Público, que para além de se encontrarem vinculados aos turnos para assegurar o serviço urgente, durante as férias judiciais, ou quando o serviço o justifique, que são organizados pela Procuradoria-Geral da República (artigos 86.º, n.º 2, e 106.º do Estatuto do Ministério Público), poderão ser ainda incluídos nos turnos organizados nos tribunais judiciais, fora desse período, para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal, na Lei de Saúde Mental e na Lei Tutelar Educativa que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º feriado, em caso de feriados consecutivos (artigo 73.º, n. os 2 e 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais). É precisamente porque estamos, não perante um serviço judiciário permanente que deva ser realizado em dias úteis dentro do horário de expediente da secretaria, mas perante um serviço que é organizado por turnos e que pode recair, não apenas nos sábados, e nem em todos os sábados, mas também em dias feriados e em férias judiciais, que poderá considerar-se aplicável a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º E, neste plano, não tem qualquer cabimento afirmar que o serviço de turno não corresponde a um horá- rio flexível porque está sujeito, ele próprio, a uma hora fixa de início e de termo. O que interessa considerar, para o efeito previsto na referida disposição legal, é que o regime de trabalho relativamente ao qual se requer a dispensa por motivo religioso poderá ser globalmente organizado de modo variável, permitindo a mutação de posições entre os diversos interessados. E a própria circunstância de o serviço de turno em cada círculo judicial se encontrar organizado segundo um diverso grau de rotatividade em relação a cada uma das comar- cas que compõem o círculo, como resulta do Aviso n.º 615/2011 no caso aplicável, demonstra que o órgão de gestão dos quadros pode afectar os magistrados que invoquem a dispensa de serviço por motivo religioso a comarcas relativamente às quais se verifique uma menor incidência de serviço de turno aos sábados, de modo a compatibilizar, na medida do possível, o exercício do direito com o cumprimento dos deveres funcionais. Certo é que o n.º 1 do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa, para além de um outro requisito de natureza formal, que, no caso, segundo a matéria de facto tida como assente, se encontra satisfeito, exige ainda que, para que ocorra a dispensa de trabalho por motivo religioso, haja «compensação integral do respectivo período de trabalho» [alínea c) ]. Mas essa condição, sendo cumulativa com as que constam das

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