TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
653 acórdão n.º 545/14 9.º da CEDH não afasta a responsabilidade contratual no domínio das relações laborais, e, face à colisão de deveres, o interessado não estava impedido de se demitir para exercer o direito de liberdade de culto (decisões de 3 de dezembro de 1996, caso Tuomo Konttinen c/Finlândia, e de 9 de abril de 1997, caso Louise Stedman c/Reino Unido ). Num outro caso, em que o interessado foi forçado a aceitar a alteração do seu regime de trabalho com passagem a regime de tempo parcial para cumprir as suas obrigações religiosas num certo período de tempo de um dia útil da semana, a Comissão deu relevo ao facto de o trabalhador ter aceitado o cumprimento do horário de trabalho a tempo integral e ter mantido essas condições laborais durante um período de seis anos, sem formular qualquer prévia reserva (decisão de 12 de março de 1981, caso X c/ Reino Unido ). Em situação similar, também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desconsiderou a recusa de adiamento de um acto processual que fora solicitado ao juiz pelo advogado do assistente com fundamento em coincidência da data com feriado judaico, tendo entendido que mantinham validade, face ao direito de liberdade religiosa, as razões de celeridade processual, a circunstância de não estar em causa a defesa do arguido e a possibilidade de o advogado se fazer substituir para que a parte pudesse ser representada na dili- gência (decisão de 24 de setembro de 2012, caso Francesco Sessa v. Itália ). Em qualquer destas ocasiões, a instância de recurso encarou o direito de liberdade religiosa numa pers- petiva essencialmente negativa, deu relevo a aspetos circunstanciais do caso concreto, e afastou a possibili- dade de a liberdade de culto se sobrepor às obrigações contratuais resultantes de uma relação de trabalho ou a outros deveres funcionais atinentes a um estatuto legalmente definido. 7. No caso vertente, está particularmente em foco, face à liberdade de religião e culto consagrada no artigo 41.º da Constituição, a legitimidade constitucional do artigo 14.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa no ponto em que define os requisitos da dispensa do trabalho por motivo religioso. A Lei da Liberdade Religiosa, depois de enunciar diversos princípios gerais em matéria de liberdade de consciência, de religião e de culto em conformidade com o próprio programa constitucional (artigos 1.º a 5.º e 7.º), e de reafirmar os requisitos de que depende a possibilidade de restrição, por via de lei, do exercício ao direito de liberdade de religião (artigo 6.º), define, no Capítulo II, o conteúdo dos «direitos individuais de liberdade religiosa» em que se inclui, no falado artigo 14.º, a «dispensa do trabalho, de aulas e de provas por motivo religioso». Esse preceito, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte: «(…) 1 – Os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes condições: a) Trabalharem em regime de flexibilidade de horário; b) Serem membros de igreja ou comunidade religiosa inscrita que enviou no ano anterior ao membro do Governo competente em razão da matéria a indicação dos referidos dias e períodos horários no ano em curso; c) Haver compensação integral do respectivo período de trabalho. […]». No caso dos autos, a dispensa do trabalho requerida pela recorrente relativamente aos sábados em que se encontra escalada, na qualidade de magistrada do Ministério Público, para serviço de turno, foi denegada pelo Conselho Superior do Ministério por ausência do requisito a que se refere a alínea a) do n.º 1 deste artigo 14.º, por se ter entendido que o trabalho «em regime de flexibilidade de horário» a que aí se faz men- ção pressupõe a sujeição do trabalhador a um horário flexível, tal como se encontra definido no artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto.
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