TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

652 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esse mesmo entendimento foi adotado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 174/93, onde se refere: «A liberdade de religião comporta simultaneamente uma dimensão negativa e uma dimensão positiva (cfr. Jorge Miranda, “Direitos Fundamentais – Liberdade Religiosa e Liberdade de Aprender e Ensinar”, in Direito e Justiça, Vol. III, 1987-1988, p. 50). (…) Na sua componente negativa, a liberdade religiosa garante ao cidadão uma “esfera de autonomia frente ao Estado” e implica que este não pode arrogar-se o direito de impor ou de impedir a profissão e a prática em público da religião de uma pessoa ou de uma comunidade. Da garantia constitucional da liberdade de religião decorre que o Estado deve assumir-se, em matéria religiosa, como um Estado neutral (princípio da separação entre as igrejas e o Estado – artigo 41.º, n.º 4, da Constituição). Aquele não pode arvorar-se em Estado doutrinal, nem atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura de acordo com diretrizes religiosas (artigo 43.º, n.º 2, da Lei Fundamental) ou de organizar e manter um ensino público confessional (princípio da não confessionalidade do ensino público – artigo 43.º, n.º 3, da Constituição). (…) A circunstância de o Estado ser um Estado não confessional (princípio da laicidade) não implica que este, sob pena de vestir a roupagem de um Estado doutrinal, haja de ser um Estado agnóstico ou de professar o ateísmo ou o laicismo. O Estado não confessional deve respeitar a liberdade religiosa dos cidadãos. Mas ele só respeita esta liber- dade se criar as condições para que os cidadãos crentes possam observar os seus deveres religiosos – permitindo-lhes o exercício do direito de viverem na realidade temporal segundo a própria fé e de regularem as relações sociais de acordo com a sua visão da vida e em conformidade com a escala de valores que para eles resulta da fé professada (cfr. Guiseppe Dalla Torre, La Questione Scolastica nei Rapporti fra Stato e Chiesa, 2.ª edição, Bologna, Pàtron Editore, 1989, p. 79) – e as confissões religiosas possam cumprir a sua missão. Significa isto que a liberdade religiosa, enquanto dimensão da liberdade de consciência (artigo 41.º, n.º 1, da Constituição), assume também, como já foi referido, um valor positivo, requerendo do Estado não uma pura atitude omissiva, uma abstenção, um non facere, mas um facere, traduzido num dever de assegurar ou propiciar o exercício da religião.» 6. A jurisprudência constitucional agora citada incide sobre o direito de informar e de ser informado sobre a religião, com reflexo na dimensão prestacional positiva da liberdade religiosa, mas que não respeita diretamente ao caso que constitui objeto do presente recurso de constitucionalidade, que se refere mais propriamente à liberdade de culto e, por isso, a uma dimensão externa da liberdade de religião, entendida como um direito de agir e se expressar de acordo com as suas crenças religiosas perante os poderes públicos e a comunidade. Sendo que, no caso versado nos autos, está particularmente em causa o direito de guarda para o exercício da religião em certo período temporal (a recusa de prestação de trabalho do pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de sábado) que pode mostrar-se incompatível com a observância dos deveres laborais no quadro de uma relação de trabalho subordinado. A Comissão Europeia dos Direitos do Homem pronunciou-se já sobre esta específica questão, tomando por base o artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), que igualmente garante, com alcance idêntico ao previsto no artigo 41.º, n.º 1, da Constituição, a liberdade de pensamento, de cons- ciência e de religião, como implicando, designadamente, «a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos». Em duas situações em que houve lugar ao despedimento por recusa de prestação do trabalho no período de guarda que era praticado pela respectiva confissão religiosa, a Comissão considerou que a cessação da rela- ção de emprego não foi determinada pelas convicções religiosas do trabalhador mas pelo incumprimento dos deveres de assiduidade perante a entidade empregadora, acrescentando que o âmbito de protecção do artigo

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