TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
649 acórdão n.º 545/14 n.º 16/2001, de 22 de Junho, «quando aplicada com a interpretação de que a escolha da profissão exercida pela recorrente implica a aceitação e cumprimento de todos os deveres inerentes a esse ofício, fazendo equi- valer ao significado de deveres a impossibilidade de exercício de direitos, liberdades e garantias, sem que se verifiquem os seus pressupostos constitucionais de restrição», por «ofensa ao direito às liberdades de religião e de escolha de profissão, consagradas nos n. os 1 dos artigos 41.º e 47.º da CRP». Porém, ainda que se possa admitir que o Tribunal recorrido assim tenha avaliado a factualidade em discussão nos autos, considerando que as particularidades do caso concreto, atinentes à especificidade da profissão exercida pela recorrente, afastavam a aplicabilidade da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LLR, está ainda em causa a forma como o tribunal, no exercício estrito das funções jurisdicionais que lhe estão cometidas, decidiu o caso concreto, valorando aspetos que, sendo relevantes no plano da subsunção dos factos ao direito, não têm qualquer projeção normativa na letra da lei. Afigura-se, por isso, que o que a recorrente apresenta como determinada interpretação do sindicado pre- ceito legal não assume as características de generalidade e abstração que confiram ao objeto do recurso, nesta parte, verdadeiro carácter normativo. Acresce que a pretensa norma que a recorrente sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional, na parte em que faz decorrer dos deveres inerentes ao concreto ofício exercido pela recorrente a «impossibilidade de exercício de direitos, liberdades e garantias, sem que se verifiquem os seus pressupostos constitucionais de restrição», parte do princípio valorativo que pretende demonstrar, incluindo- -se no objeto do recurso, como premissa interpretativa, o próprio juízo conclusivo de inconstitucionalidade que a final se reclama (petitio principii) , o que, além de exorbitar as considerações a esse propósito formuladas pelo tribunal recorrido, que não adotou um tal entendimento da lei, também compromete a idoneidade normativa do objeto do recurso. Por tais razões, não é, pois, possível conhecer, nesta parte, do objecto do recurso, cumprindo, pois, apenas apreciar a questão da inconstitucionalidade material do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) , da Lei da Liber- dade religiosa, quando interpretado no sentido de que «a possibilidade de dispensa de trabalho por motivos religiosos apenas se verifica quanto aos trabalhadores em regime de horário flexível». Mérito do recurso 3. Segundo a matéria de facto dado como assente, a recorrente, enquanto magistrada do Ministério Público em exercício de funções nas comarcas de Celorico da Beira e de Fornos de Algodres, encontrava-se vinculada, no decurso do ano 2011, ao exercício de funções em regime de turnos para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal, na Lei de Saúde Mental e na Lei Tutelar Educativa que devesse ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º dia feriado, em caso de feria- dos consecutivos. O mapa de organização do serviço urgente para o ano de 2011 constava do Aviso n.º 615/2011, de 7 de janeiro, publicado na 2.ª série do Diário da República , implicando a prestação de serviço de turno nas referidas comarcas nos sábados que recaiam nos dias 29 de janeiro, 12 e 19 de março, 4 e 11 de junho, 23 de julho, 27 de agosto, 3 de setembro, 15 de outubro, 26 de novembro e 3 de dezembro. Por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, publicada em 28 de abril de 2011, a recorrente foi transferida para a comarca da Covilhã, que tinha serviço de turno designado para as seguintes as datas também coincidentes com o dia de sábado: 15, 22 e 29 de janeiro, 5 de fevereiro, 5, 12, 19 e 26 de março, 23 e 30 de abril, 7 de maio, 4, 11, 18 e 25 de junho, 23 e 30 de julho, 6 e 13 de agosto, 3, 10, 17 e 24 de setembro, 22 e 29 de outubro, 5 e 12 de novembro e 10, 17, 24 e 31 de dezembro. A recorrente é membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, confissão religiosa que determina a obser- vância do sábado como dia de descanso, adoração e ministério, que deve começar a partir do pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de sábado, com a consequente abstenção do trabalho secular. A Igreja Adventista do Sétimo Dia enviou, no ano de 2010, ao membro competente do Governo a lista com indicação dos períodos horários dos dias de descanso relativos ao ano de 2011.
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