TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

647 acórdão n.º 545/14 8.ª – Relativamente à primeira questão de constitucionalidade que suscita, a recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade material da normas do artigo 14.º n.º 1, alínea a) da Lei da Liberdade Religiosa, “quando aplicada com a interpretação de que a possibilidade de dispensa de trabalho por motivos religiosos apenas se veri- fica quanto aos trabalhadores em regime de horário flexível”, em alegada violação da liberdade de consciência, de religião de culto (artigo 41.º n.º 1 da CRP) e do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP); 9.ª – Porém, a referida norma, na sua literalidade, não comporta o sentido pretendido pela recorrente, e nem as decisões que foram desfavoráveis à recorrente estão fundamentadas no sentido interpretativo questionado pela recorrente, mas sim numa mera interpretação literal da norma, sem assumir qualquer posição sobre o sentido interpretativo da norma; 10.ª – Com efeito, o acórdão recorrido, num primeiro momento debruça-se sobre o horário de trabalho dos magistrados nos dias de turno, considerando absolutamente certo que não se trata de um horário flexível, para depois decidir que é impossível, por “aplicação imediata” da norma do artigo 14.º n.º 1 da LLR que a recorrente seja dispensada de realizar os turnos aos sábados; 11.ª – Segundo o artigo 41.º n.º 1 da CRP “a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável”. Mas logo a seguir o n.º 2 estabelece que ninguém pode ser “isento de obrigações ou deveres cívicos” por causa da sua prática religiosa; 12.ª – Assim, a todo o cidadão deverá ser reconhecida a faculdade de ter ou não ter religião, professar esta ou aquela, mudar de crença, praticá-la só ou acompanhado de outras pessoas, agrupar-se com outros crentes formando confissões ou associações de carácter religioso, e nessa sua faculdade deverá estar ausente todo o tipo de coação, injustificada, exercida por qualquer pessoa ou autoridade pública; 13.ª – Mas a liberdade religiosa e de culto terá necessariamente de ter limites impostos pela ordem jurídica e constitucional vigentes numa comunidade civilizacional e pelos valores fundamentais nela consagrados e defendi- dos, como sejam a liberdade, os direitos alheios, a ordem pública e a realização da justiça. E estes valores e objetivos não podem ser violados ou impedidos por motivos de cariz religioso; 14.ª – Ou seja, não estamos perante um direito absoluto, podendo e devendo, se for o caso e dentro dos limi- tes constitucionais, ser objeto de restrições, conforme decorre não só do artigo 18.º n.º 2 da CRP, mas também do artigo 6.º da LLR, onde expressamente se salvaguardou que a liberdade de religião e de culto “(…) admite as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”; 15.ª – A LLR veio concretizar,
em termos de lei ordinária, estes princípios de opção religiosa, procurando a encontrar o necessário equilíbrio e proporcionalidade entre o direito de liberdade religiosa e outros com consagra- ção constitucional, ao permitir que os funcionários e agentes do Estado e outros “que trabalharem em regime de flexibilidade de horário” suspendam o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam; 16.ª – Assim, o legislador procurou nesta matéria alcançar uma solução equilibrada, no sentido de conseguir compatibilizar os direitos potencialmente em conflito: de um lado, os do trabalhador que professa determinada religião e pretende observar o descanso semanal, os dias das festividades e os períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professa; de outro lado, os da entidade empregadora, desde logo, ao livre exercício da iniciativa económica privada nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral – cfr. artigos 6.º n.º 1 e 80.º alínea d) da CRP; 17.ª – As duas fórmulas legais contidas no artigo 41.º n.º 1 da CRP, quando afirma no n.º 1 “a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável”, e logo a seguir o n.º 2 estabelece que ninguém pode ser “isento de obrigações ou deveres cívicos” por causa da sua prática religiosa, “mostram que o supremo valor que a nossa ordem jurídica reconhece à liberdade de consciência e de culto corresponde a um patamar muito distante dos concretos vínculos jurídicos que o crente, na sua vida de relação, livremente assuma”; 18.ª – Com efeito, a liberdade de religião e de culto também não pode servir para desvincular o crente das rela- ções jurídicas que livremente aceitou estabelecer com terceiros, e o artigo 14.º n.º 1 da LLR constitui uma exceção a esta regra, pelo que não colhe o argumento da recorrente de que essa norma tem um cariz restritivo que afronta a norma constitucional do artigo 41.º n.º 1 da CRP;

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