TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pediu para ficar isenta de prestar todo e qualquer serviço de turno (não pretendendo a mesma nenhuma medida de favor), mas somente para ficar isenta de realizar turnos em dias de sábado e compensar esses dias por outros não coincidentes com o sábado! KK) Já no que concerne à necessidade de compatibilização do direito de liberdade religiosa da recorrente e dos seus Colegas, o problema só se coloca nas situações em que estes professem uma religião que institua um dia de descanso semanal diferente do domingo (sendo que, nestas situações, também lhes seria reconhe- cido o mesmo direito de reservar o referido dia), pois nos outros casos (a grande maioria!) os Colegas têm a vantagem de ver coincidir o dia de descanso semanal religioso e o dia de descanso semanal socialmente instituído, consagrado na legislação laboral. LL) Não obstante, a verdade é que mesmo que não houvesse hipótese de contrabalançar os direitos em conflito – o que só se admite por dever de patrocínio –, a liberdade de religião e de culto sempre prevaleceria sobre os direitos económicos, em conformidade com a génese do nosso Direito, que exalta os direitos pessoais sobre os direitos económicos. MM) Ora, ao impedir-se que todos os trabalhadores, além daqueles que possuem horário de trabalho em regime de flexibilidade, possam obter dispensa de trabalho a fim de respeitarem o dia santo, ou de guarda, insti- tuído pela sua religião, atinge-se o núcleo do direito fundamental em questão. NN) Assim, na medida em que estabelece uma restrição (ou melhor, um impedimento) sem autorização constitucio- nal para o efeito, em clara violação do princípio da proporcionalidade e em desrespeito pelo conteúdo essencial do direito de liberdade de religião e de culto, o artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da LLR viola os artigos 41.º, n.º 1 e 18.º, n. os 1, 2 e 3 da CRP, motivo pelo qual o STA deveria ter recusado a sua aplicação ao caso sub judice . OO) No que respeita ao princípio da igualdade, de acordo com o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, “Todos os cida- dãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, estipulando-se no n.º 2 do mesmo artigo que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. PP) Uma das dimensões do princípio da igualdade traduz-se na proibição do arbítrio, em que se pretende salva guardar um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. QQ) Outra dimensão é a obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportuni- dades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural. RR) Destarte, aplicando o princípio da igualdade ao caso sub judice , conclui-se que o direito de dispensa do trabalho, de aulas e de provas por motivo religioso, concretizado no artigo 14.º da LLR, está perfeitamente justificado, na medida em que é necessário para proteger as minorias religiosas cujo dia santo divirja do dia de descanso semanal obrigatório laboral e socialmente instituído (por influência da religião maioritária, o Catolicismo). O que não é justificável é o seu alcance (subjetivo) tão restrito – ou, pelo menos, o alcance restrito com que foi interpretado e aplicado pelo CSMP e pelo STA –, no sentido de conceder o direito em questão apenas aos crentes que trabalhem em regime de flexibilidade de horário. SS) Verificando-se que não existe nenhum fundamento para a restrição feita pela LLR, pois existem outros tipos de horários em que, por identidade de circunstâncias, ou até mesmo por maioria de razão, se justifica a dispensa. Pense-se, por exemplo, no caso das pessoas, como a recorrente, que trabalham em regime de isenção de horário! TT) De facto, a compensação integral do respetivo período de trabalho [condição imposta pela alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º LLR e que é cumulativa com a alínea a) ] não é uma faculdade só de quem tem um horário flexível. UU) E não colhe aqui o argumento de que, ao conferir o direito de dispensa à recorrente, se está a privilegiá-la, ou a beneficiá-la, em relação aos seus Colegas de profissão. Isto porque, em primeiro lugar, aqueles que professem o Catolicismo, veem coincidir o dia de culto, com o dia de descanso semanal (o domingo). Já
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