TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
642 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL R) No entanto, o legislador não foi feliz na redação da referida lei. De facto, da letra da mesma [artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da LLR] resulta, entre outros requisitos, que só pode pedir dispensa do trabalho por motivos religiosos quem tiver uma modalidade de horário flexível, ficando excluídas todas as pessoas que estejam submetidas a um modelo de horário diferente, independentemente da medida dessa diferença, i.e., independentemente do tipo de horário (ou da isenção dele!) justificar ainda mais e se compatibilizar ainda melhor com a suspensão do que a flexibilidade de horário. S) Note-se que a Lei n.º 16/2001 teve como guias algumas soluções de outros países europeus, como foi o caso de Itália, que legislou sobre o assunto para situações semelhantes, incluindo para o caso da Igreja Adventista do Sétimo Dia e da Comunidade Hebraica, quando estivesse em causa um regime de flexibilidade de horário. Todavia, tal facto cria, desde logo, o problema da adaptação do conceito indeterminado de “flexibilidade de horário” usado pelo legislador italiano ao ordenamento jurídico português, complicando a leitura e interpre- tação da norma, gerando incongruências e lapsos legais que ditam a inconstitucionalidade da Lei. T) Ora, tendo o artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da LLR (norma infraconstitucional) um espaço plurissignificativo que necessita de ser clarificado, então, ele deve ser interpretado de acordo com o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição. U) Neste seguimento, importa ter presente que a liberdade de consciência, de religião e de culto insere-se no catálogo dos direitos, liberdades e garantias (DLG’s), tendo caráter inviolável, pelo que não pode sequer ser afetada em situações extremas de declaração de estado de sítio ou de estado de emergência (cfr. artigo 19.º, n.º 6 da CRP e artigo 6.º, n.º 5 da LLR). V) Neste sentido, aplica-se-lhe o disposto no artigo 18.º da CRP, nos termos do qual, a liberdade de consciên- cia, de religião e de culto é diretamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas, só podendo ser restringida «nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (cfr. artigo 18.º, n. os 1 e 2 da CRP e artigo 6.º, n.º 1 da LLR). W) Sucede, porém, que, no caso da norma restritiva do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da LLR (na forma como foi interpretada quer pelo CSMP, quer pelo próprio STA), não existe autorização constitucional expressa que valide a restrição, não está respeitado o princípio da proporcionalidade (lato sensu) , nem está respeitado o núcleo essencial do direito fundamental em questão. X) Com efeito, a CRP não sujeita a liberdade de religião e de culto a nenhum limite específico e tampouco autoriza, expressamente, a restrição deste direito por via de ato legislativo ordinário. Y) Por outro lado, a condição [do exercício de um trabalho em regime de flexibilidade de horário, imposta pela alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LLR] é desnecessária, porquanto haveria outras medidas menos gravosas, menos agressivas que atingiriam de forma mais eficiente o resultado pretendido (de compatibi- lização da liberdade religiosa com as exigência laborais e empresariais), designadamente, a consagração da possibilidade de dispensa para todas as modalidades de horário de trabalho – e até mesmo para as situações de isenção de horário. Z) Acresce que a condição é desproporcional (stricto sensu) , porque não pondera devidamente os direitos em presença, que teriam de ser harmonizados, não atingindo, por isso, o resultado pretendido. AA) Finalmente, quanto ao último requisito previsto no n.º 3 do artigo 18.º da CRP, sempre se terá de concluir que a norma do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da LLR (ou, pelo menos, o modo restrito como foi interpre- tada pelo CSMP e pelo Tribunal), atinge o conteúdo essencial do direito de liberdade de consciência, de religião e de culto, isto porque a faculdade de gozo do dia santo consagrado por uma confissão religiosa, devidamente registada e reconhecida pelo Estado Português, integra o núcleo irredutível daquele direito. Efetivamente, é do conhecimento geral, que quase todas as religiões dedicam especialmente um dia da semana à fé e ao culto. BB) De facto, não apenas a dimensão privada e íntima adjacente à liberdade de consciência dita aos crentes de determinada religião a necessidade de consagrarem um dia para uma oração e uma dedicação à fé mais intensas do que durante a semana – em que os afazeres e os compromissos diários impedem as pessoas de
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