TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

641 acórdão n.º 545/14 I) Com efeito, conforme resulta da matéria de facto assente nos autos, a recorrente é membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que, entre outras crenças, reserva o dia de sábado – com início no pôr do sol de sexta-feira e termo no pôr do sol de sábado – como dia sagrado, dedicado ao descanso, mas sobretudo à adoração e ministério, durante o qual não é permitido trabalhar. O sábado deve ser, inteira e exclusi- vamente, dedicado ao louvor a Deus e a atividades de cariz mais espiritual, com forte ligação aos valores perpetuados pela Bíblia, como seja a adoração do Senhor, a dedicação à família, à comunidade, aos doentes, aos mais pobres e desfavorecidos. O sábado é um dia separado, logo Dia Santo! J) Por conseguinte, os Adventistas do Sétimo Dia consideram que o cumprimento da 20.ª crença (o respeito pelo dia de sábado) os impossibilita de prestar todo e qualquer trabalho secular [alínea l) e m) dos factos provados], onde se inclui o exercício das atividades profissionais, o estudo de matérias que não estejam relacionadas com a Bíblia e os ensinamentos do Senhor, os trabalhos domésticos, as compras necessárias à organização do lar, etc, mas onde, naturalmente, já não se inclui a dedicação à família, aos amigos e à comunidade em geral. K) Sucede, porém, que, no exercício da sua atividade profissional, como Magistrada do MP [atualmente, Procuradora-adjunta na Comarca da (…)], a recorrente encontra-se vinculada ao exercício de funções em regime de turnos para assegurar o serviço urgente, previsto no Código de Processo Penal, na Lei de Saúde Mental e na Lei Tutelar Educativa, o qual tem de ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em Segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos [alínea c) da matéria de facto provada julgada provada pela Secção de Contencioso Administrativo do STA]. L) Assim, nos sábados em que está de turno, a recorrente vê-se forçada a desrespeitar as crenças da sua religião, ficando impossibilitada de santificar o Dia. M) E não colhe aqui o entendimento do STA de que “a observância dos turnos pela autora, não ocupando a totalidade dos sábados, não a impede de cumprir os seus deveres religiosos na parte restante desses dias”, porquanto, do princípio sabático não decorre apenas a participação no culto semanal, mas a dedicação das 24 horas do dia (desde o pôr do sol de sexta-feira ao pôr do sol de sábado) à adoração, ao louvor a Deus e a todas as atividades de cariz espiritual, distintas das atividades de cariz económico e mercantil, isto é, secular. Ou seja, reservar o dia a Deus significa, entre outros aspetos, não exercer atividades profissionais (independentemente do tempo de duração das mesmas…). N) Ora, precisamente com o objetivo de compatibilizar os seus deveres profissionais e religiosos, a recorrente solicitou ao CSMP, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1 da Lei de Liberdade Religiosa (LLR), dispensa da rea- lização dos turnos de sábado já agendados para o ano de 2011, e a não designação da sua pessoa para a realização de futuros turnos que coincidissem com dias de sábado, mediante a compensação integral de tais períodos laborais (obviamente, em dias não coincidentes com o sábado). O) O mencionado pedido foi, contudo, indeferido, com o fundamento de que não se encontrava preenchida a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LLR uma vez que a recorrente não estaria sujeita a um horário de trabalho flexível. P) Acontece que o Estado Português, no exercício do seu dever prestacional, associado à dimensão positiva da liberdade de religião e de culto, que compreende a criação de condições para que os indivíduos possam cumprir as suas obrigações religiosas, individual e coletivamente, reformou a legislação ordinária em con- formidade com a liberdade consagrada no artigo 41.º da CRP de 1976. Nesse seguimento, foi aprovada a Lei da Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de junho). Q) Assim, a Lei da Liberdade Religiosa (LLR) veio concretizar o comando constitucional do artigo 41.º da CRP. Isto porque a liberdade religiosa constitucionalmente consagrada não se resume à possibilidade dos indivíduos terem ou não uma religião, mas inclui também a possibilidade deles professarem a religião que escolheram, atuando em conformidade com os seus dogmas. Para isso, é necessário que o Estado permita ou propicie o cumprimento dos deveres religiosos. Com efeito, não haverá verdadeiramente liberdade de religião se não forem criadas as condições necessárias para que os indivíduos possam observar os princípios fundamentais da religião que escolheram.

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