TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
640 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A recorrente, nas alegações que apresentou, concluiu do seguinte modo: «(…) A) O presente recurso tem, na sua base, a deliberação do Pleno do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de 8.04.2011, por via da qual foi indeferido o pedido da recorrente de suspensão do seu trabalho nos dias de turno coincidentes com os dias de sábado, por ser Adventista do Sétimo Dia e reservar o refe- rido dia da semana como Dia Santo, pedindo, ainda, autorização para compensar integralmente tais perío- dos laborais em dias de turno que não coincidissem com o dia de sábado, quer fossem de serviço urgente ou em períodos de férias judiciais que não coincidissem com as suas férias pessoais, deliberação essa que depois foi confirmada, quer pela Secção do Contencioso Administrativo, quer pelo Pleno do STA. B) Acontece que a recorrente não se conforma com o referido entendimento, mantendo a sua convicção de que o artigo 14.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Liberdade Religiosa (LLR) é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da liberdade religiosa e de culto, do princípio da igualdade e da liberdade de escolha de profissão, constitucionalmente consagrados nos artigos 41.º, n.º 1, 13.º, n. os 1 e 2, e 47.º, n.º 1 da CRP. C) Na verdade, através do artigo 41.º da CRP, o legislador constituinte integrou na lista dos direitos, liberda- des e garantias pessoais fundamentais a liberdade de consciência, de religião e de culto, concebendo esta liberdade como única e inviolável. D) No que especificamente concerne à liberdade de religião, esta tem, em primeiro lugar, uma vertente indi- vidual, que consiste na liberdade de cada um ter ou não ter religião, professar a religião que tiver escolhido e mudar de religião quando assim o entender, e tem, também, uma vertente coletiva e institucional, que se prende com a partilha entre os fiéis, num exercício conjunto da fé, através dos ritos e rituais próprios (de cada uma) das religiões, e que culmina com a criação de organizações religiosas que acabam, muitas vezes, por se enraizar na comunidade social. E) Conforme nos ensinam os Professores Gomes Canotilho e Jónatas Machado «(…) do direito à liberdade religiosa resultam obrigações negativas, de abstenção, em virtude das quais cabe ao Estado criar um perí- metro de autonomia, segurança e imunidade em torno da liberdade de consciência, de religião e de culto dos indivíduos e das comunidades»; não obstante, a dimensão positiva da liberdade religiosa significa que «incumbe também ao Estado garantir, à maioria religiosa e às minorias, determinados pressupostos fácticos, normativos, no limite das suas possibilidades e do princípio da igualdade, para que os indivíduos possam cumprir as suas obrigações religiosas, individual e coletivamente.» F) O direito fundamental à liberdade de consciência, de religião e de culto encontra também acolhimento em diversa legislação internacional, que, ao abrigo do preceituado nos artigos 8.º e 16.º da CRP, faz inclu- sive parte integrante do Direito Português, como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (cfr. artigo 18.º), a Declaração das Nações Unidas sobre eliminação de todas as formas de into- lerância e discriminação com base na Religião ou Crença [cfr. artigo 6.º, alínea h) ], a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (cfr. artigo 9.º) e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (cfr. artigo 18.º). G) A liberdade de consciência e de religião é de tal modo importante que, a par do direito à vida, o legislador constituinte também a qualifica como inviolável. De facto, procurando proteger o ser humano no seu todo, a CRP dá o mesmo relevo à sua dimensão física (artigo 24.º, n.º 1) e à sua dimensão espiritual (artigo 41.º, n.º 1). Acresce que a liberdade de consciência e de religião é também insuscetível de suspensão em estado de sítio ou estado de emergência (cfr. artigo 19.º, n.º 6 da CRP e artigo 6.º, n.º 5 da LLR), e constitui um limite material de revisão constitucional [cfr. artigo 288.º, alínea d) da CRP]. H) No caso concreto que deu origem ao presente processo, está em causa o exercício da liberdade de religião (e também, por inerência, da liberdade de culto) da recorrente, na vertente do respeito pelos princípios e crenças fundamentais da religião que professa, a religião Adventista do Sétimo Dia.
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