TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

639 acórdão n.º 545/14 O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 6 de dezembro de 2012, julgou improcedente a ação, argumentando, em síntese, que os magistrados do Ministério Público estão sujeitos aos horários de funcionamento dos serviços judiciários e não beneficiam do regime de flexibilidade de horário de que depende, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) , da Lei da Liberdade Religiosa, a dispensa de trabalho por motivo religioso, e não se encontra sequer alegado que a interessada não pudesse harmonizar a prestação do trabalho durante os sábados com o cumprimento dos deveres religiosos, concluindo que a limitação da prática religiosa, nas circunstâncias do caso, não implica uma restrição intolerável ao exercício do direito do culto. Ademais, o acórdão considerou que a realização de serviço de turno em dias de sábado não representa uma violação da liberdade de escolha de profissão na medida em que essa é uma condicionante do exercício da própria actividade profissional, que a autora não poderia desconhecer no momento em que ingressou na magistratura, e que é justificada por outros valores ou interesses constitucionalmente relevantes. Desse acórdão, a autora interpôs recurso jurisdicional para o Pleno da Secção de Contencioso Admi- nistrativo do Supremo Tribunal Administrativo, suscitando de novo a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) , da Lei da Liberdade Religiosa quando entendida no sentido de que só os cidadãos que laborem em regime de flexibilidade de horário podem obter autorização para suspenderem o trabalho, por motivos religiosos, no dia de descanso semanal estabelecido pela respectiva confissão religiosa, considerando que uma tal interpretação colide não só com o disposto no artigo 41.º da Constituição, mas também com o princípio da igualdade, no ponto em que permite que só certos trabalhadores possam exercer a liberdade de culto. Por acórdão de 12 de novembro de 2013, o Pleno negou provimento ao recurso, mantendo o entendi- mento segundo o qual os magistrados do Ministério Público, mesmo quando em serviço de turno, não têm um horário flexível e que a prestação desse serviço corresponde a um dever funcional que, sendo livremente aceite por quem ingressa na função, é em si incompatível com o exercício da liberdade de culto. Nesse sen- tido, considera-se que a liberdade de religião não pode desvincular o crente das relações jurídicas que tenha estabelecido com terceiros, constituindo a norma do artigo 14.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa uma mera exceção a essa regra geral que, como tal, tem um carácter ampliativo e não implica qualquer restrição de direitos. Sendo que, além do mais, a dispensa do trabalho em relação a trabalhadores com horário flexível não envolve a violação do princípio da igualdade, no ponto em que se trata da atribuição de uma vantagem a quem se encontra numa situação diferenciada que justifica, por si, a desigualdade de soluções. Desta decisão, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciada a incons- titucionalidade material do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) , da Lei da Liberdade Religiosa: « i) quando aplicada com a interpretação de que a possibilidade de dispensa de trabalho por motivos religiosos apenas se verifica quanto aos trabalhadores em regime de horário flexível por tal interpretação padecer de inconstitucionali- dade material por violar os artigos 41.º, n.º 1, 18.º, n. os 1, 2 e 3, 13.º, n. os 1 e 2, da CRP; ii) quando aplicada com a interpretação de que a escolha da profissão exercida pela recorrente implica a aceitação e cumprimento de todos os deveres inerentes a esse ofício, fazendo equivaler ao significado de deveres a impossibilidade de exercício de direitos, liberdades e garantias, sem que se verifiquem os seus pressupostos constitucionais de restrição por tal interpretação padecer de inconstitucionalidade material por ofensa ao direito às liberdades de religião e de escolha de profissão, consagradas nos n.º 1 dos artigos 41.º e 47.º da CRP». Por despacho do relator, determinou-se que o recurso prosseguisse para alegações, sendo as partes noti- ficadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento da questão supra identificada sob a alínea ii) . Recorrente e recorrida pronunciaram-se sobre tal questão prévia, defendendo a primeira que o recurso está em condições processuais de prosseguir para apreciação do mérito do recurso, também no que lhe diz respeito, pois que a questão de inconstitucionalidade em causa versa interpretação normativa sufra- gada pelo tribunal recorrido como ratio decidendi , como decorre da argumentação a tal propósito expendida na decisão recorrida. Em sentido contrário se pronunciou o recorrido, invocando que a decisão sob recuso se não fundamenta juridicamente no critério sindicado.

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