TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
638 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., magistrada do Ministério Público, intentou perante o Supremo Tribunal Administrativo ação administrativa especial destinada a obter a condenação do Conselho Superior do Ministério Público a dis- pensá-la da realização dos turnos de serviço urgente que coincidissem com os dias de sábado, invocando ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia e encontrar-se obrigada, por motivos religiosos, a guardar o sábado como dia de descanso, adoração e ministério e abster-se de todo o trabalho secular. Alegou que a norma do artigo 14.º, n.º 1, alínea a) , da Lei da Liberdade Religiosa, instituída pela Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, quando interpretada no sentido de que a suspensão do trabalho no dia descanso semanal prescrito pela confissão que professa se verifica apenas em relação a trabalhadores em regime de horário flexível é inconstitucional por violação da liberdade de religião e da liberdade de escolha de profissão respectiva- mente consagradas nos artigos 41.º e 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). pela sua própria natureza e razão de ser, esse tipo de trabalho está sujeito a um critério de rotatividade e uma variação regular do respectivo pessoal. IV – Isso é particularmente evidente relativamente aos magistrados do Ministério Público, que para além de se encontrarem vinculados aos turnos para assegurar o serviço urgente, durante as férias judiciais, ou quando o serviço o justifique, poderão ser ainda incluídos nos turnos organizados nos tribunais judiciais, fora desse período, para assegurar o serviço urgente que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º feriado, em caso de feriados consecutivos, sendo precisamente porque estamos, não perante um serviço judiciário permanente que deva ser realizado em dias úteis dentro do horário de expediente da secretaria, mas perante um serviço que é organizado por turnos e que pode recair, não apenas nos sábados, e nem em todos os sábados, mas também em dias feriados e em férias judiciais, que poderá considerar-se aplicável a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º V – O legislador, ao referir-se ao trabalho em regime de flexibilidade de horário, não está a reportar-se apenas às situações em que os trabalhadores possam gerir os seus tempos de trabalho escolhendo as horas de entrada e de saída, mas também a todas aquelas em que seja possível compatibilizar o cumprimento da duração do trabalho com a dispensa para efeitos da observância dos deveres religiosos; o que parece ser decisivo, face à exigência constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, é que o regime de horário de traba- lho aplicável possa permitir a compensação dos períodos de trabalho em que tenha ocorrido a suspensão. VI – Nestes termos, quer o enunciado verbal quer a razão de ser do preceito – sabendo-se que visa dar concretização a um direito fundamental – aponta para uma interpretação ampliativa que afaste aquela que foi adotada pelo tribunal recorrido que, a ser considerada, poderia ser objeto de um julgamento de inconstitucionalidade, pelo que se justifica o recurso, em aplicação do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, a uma decisão interpretativa, implicando que o tribunal recorrido adote o sentido interpretativo que se julgou conforme à Constituição, e reformule em consonância a solução a adotar para o caso concreto no plano do direito infraconstitucional.
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