TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

633 acórdão n.º 544/14 em várias das dimensões assinaladas, para mais quando reforçada por imperativos de consciência, também eles protegidos ao nível constitucional. Deste modo, na interpretação conferida às alíneas a) e c) (e na medida em que o requisito da compen- sação do tempo de trabalho apenas se verificará em regime de flexibilidade de horário), o pendor redutor da dimensão normativa a que o tribunal as confina torna-se evidente. Com efeito, a dificuldade de preenchimento do primeiro requisito resulta desde logo da escassa abran- gência conferida ao conceito de flexibilidade de horário laboral que, ao contrário do que poderia resultar de uma leitura apressada, não se revela flexível, mas dotado de uma enorme rigidez. Ao aplicar-se apenas aos trabalhadores que desenvolvam a sua atividade num esquema de estabelecimento de um período de presença obrigatória, com uma consentida margem de variação das horas de entrada e saída, não será de ignorar que, em face dos elementos do direito positivo infraconstitucional, tal regime apenas se mostra expressamente consagrado no regime aplicável aos trabalhadores da Administração Pública consagrado no Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de agosto [cfr. sobre os «horários flexíveis» os artigos 15.º, n.º 1, alínea a), e 16.º] ou, ainda mais limitadamente no domínio das relações laborais privadas, e para as específicas situações de tra- balhadores com responsabilidades familiares, a que possa ser autorizado um horário de trabalho flexível, no qual o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário (cfr. artigo 56.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com a última alteração operada pela Lei n.º 27/2014, de 8 de maio). No demais, resultará eventualmente da conformação das relações de trabalho no âmbito da autonomia privada das partes a exercer contratualmente. Deste modo, se compreende a advertência feita por Susana Sousa Machado quanto à «tímida abertura da Lei da Liberdade Religiosa» ao fenómeno da religião no seio das relações laborais, escrevendo, a propósito da interpretação do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), dessa lei que «(…)parece-nos que o regime em análise apenas se aplica a trabalhadores cujo empregador seja uma entidade de natureza pública, ou seja, apesar de restrito, terá ainda um âmbito de aplicação subjetivo muito limitado» ( Liberdade religiosa e contrato de trabalho, cit., p. 98). Nesta limitação do âmbito de aplicação subjetivo da norma, ficam os trabalhadores não abrangidos por um regime de «horário flexível» (tal como definido no aresto recorrido) – e com isto se quer dizer: a grande generalidade das situações – perante o dilema de opção entre o cumprimento dos deveres laborais e o cumprimento dos deveres religiosos, caindo-se a final na solução apresentada pelo Tribunal de Estrasburgo, quando propõe como opção do trabalhador a cessação, por sua iniciativa, da relação laboral, para assim exer- cer livremente os deveres religiosos com esta conflituantes. Ora, reconheça-se que essa opção não existe – ou muito dificilmente existirá – nem de facto nem de direito. Isto, não apenas tendo presente o atual estado do mercado laboral, relevando a conjuntura de subemprego, como, sobretudo, e mesmo na eventualidade de vir o trabalhador a encontrar outro posto de trabalho, não se afigurar de que forma seria então livremente exercida a sua religião se ainda no âmbito do mesmo enquadramento normativo e sob o mesmo nível de tutela do direito.  Sublinhe-se ainda que o requisito assim interpretado representaria a clara prevalência dos interesses empresariais e gestionários, a quem se comete desde logo a própria definição do horário (estranho à ponde- ração da situação do trabalhador crente), sem que seja necessário sobrevir prejuízo ou encargo indevido ou excessivo para a entidade empregadora que pudesse legitimamente justificar a restrição do direito de liber- dade religiosa do trabalhador. Pelo que a ponderação dos valores em presença revela-se fortemente restritiva do direito à liberdade religiosa, sacrificando-a em face da tutela de interesses e direitos que permanecem intocados. Deste modo, a interpretação conferida aos requisitos cumulativos previstos no n.º 1 do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa, contidos nas alíneas a) e c) , que estabelecem os requisitos da flexibilidade do horário de trabalho e da compensação integral do período de suspensão, aquele reportado às situações em que seja estabelecido pela entidade empregadora um regime com variação da hora de entrada e saída dos tra- balhadores, este só possível se verificado o primeiro, determinaria uma compressão desrazoável e excessiva da

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