TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

632 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que desse exercício possa resultar a colisão com outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos – como é o caso. A ponderação do legislador na criação das condições para a realização do direito de liberdade religiosa em face desses outros direitos não poderá contudo consubstanciar a prevalência destes nas situações de possível conflito que daquela resultem. Isto, sem que observe o princípio da proporcionalidade nas res- trições que se entendam necessárias e justificadas ao direito de liberdade religiosa dos trabalhadores para a realização desses outros direitos, aqui traduzidos na liberdade de iniciativa económica privada. Do quadro constitucional de tutela da liberdade de religião decorrem os princípios de tolerância e de acomodação dos direitos derivados do exercício da religião no âmbito social como vetores do próprio pro- grama normativo constitucional, que não se limita à afirmação de que o reconhecimento da liberdade reli- giosa no mundo laboral se efetua tão só através do princípio da igualdade e não discriminação. Como escreve Jónatas Machado, «a eficácia externa da liberdade religiosa implica mais do que a observância do princípio da igualdade, vinculando positivamente a entidade empregadora a proceder a uma medida determinada de acomodação da religião» (cfr. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva, cit. p. 265; no mesmo sentido, Susana Sousa Machado, «Liberdade Religiosa e Contrato de Trabalho», in Questões Laborais, Ano XIX, n.º 39, janeiro-junho 2012, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 79 e segs., pp. 91-93). A ideia de acomodação da liberdade religiosa numa comunidade plural, com amplo desenvolvimento na jurisprudência norte-americana, encontra eco no voto de vencido dos juízes do Tribunal Europeu dos Direitos do HomemTulkens, Popovic e Keller (caso Sessa v. Itália, supra referido), ao considerarem violado o direito de liberdade religiosa no caso, entre outras razões, pelo facto de considerarem que a medida adotada se revelou desproporcionada, não acolhendo as razões da necessidade de manutenção da data fixada e coin- cidente com um feriado judaico para a realização de interesses de celeridade processual e de organização dos trabalhos como determinantes para a restrição operada ao direito de liberdade religiosa. Isto, porquanto, para estes juízes teria sido possível encontrar uma «acomodação razoável» (reasonable accommodation) da situação, sem comprometer o interesse de uma adequada administração da justiça.  E Jónatas Machado, na esteira da jurisprudência constitucional norte-americana dedicada ao tema da religião no seio das relações laborais, defende mesmo que do programa constitucional português de tutela dos direitos religiosos resulta um dever, para as entidades empregadoras, de acomodar a liberdade religiosa dos trabalhadores. Sobre a Constituição portuguesa, escreve o Autor que «aqui, a ideia de acomodação razoá- vel da religião assume as vestes de uma concordância prática entre direitos e interesses em colisão, atenta à especial centralidade que o fator religioso assume como elemento constitutivo da identidade e autocom- preensão do indivíduo. O direito à liberdade religiosa do trabalhador deverá ser equacionado, de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, com os direitos de propriedade e iniciativa económica privada do empregador, no sentido que garanta a sua máxima efetividade, isto é, que possibilite a obtenção do equilíbrio menos restritivo entre os bens em colisão. Deve notar-se, todavia, que o aparente tratamento preferencial do trabalhador por causa das suas convicções religiosas, não é realmente mais do que a única solução logicamente possível para o problema da acomodação da religião» (cfr. Liberdade Religiosa numa Comunidade Constitucional Inclusiva , cit., p. 269). Nesta linha, o comando constitucional dirigido ao legislador na regulação do direito em causa é o de conferir a máxima efetividade ao direito decorrente da liberdade religiosa, sem prejuízo da devida pondera- ção dos direitos e bens constitucionalmente protegidos pelo artigo 61.º (e 80.º) da Constituição. Estes não poderão deixar de ser pesados, segundo juízos de razoabilidade e proporcionalidade. Ora, uma interpretação do requisito da flexibilidade do horário de trabalho (de que dependeria também o requisito da compensação do período de trabalho não prestado) inteiramente reportada a uma modalidade de determinação de horário (com variação na hora de entrada e saída), inteiramente na disponibilidade da entidade empregadora e sem qualquer relação com a possibilidade de o trabalhador crente observar os dita- mes da sua religião que possam de algum modo conflituar com o esquema de organização do tempo de tra- balho a que se subordina, descaracteriza a ampla proteção conferida pela Constituição à liberdade religiosa,

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