TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

631 acórdão n.º 544/14 do tempo de trabalho (previamente) estabelecido pela entidade empregadora, de que possa eventualmente usufruir o trabalhador crente (e os demais). O tribunal justifica esta asserção, ao considerar, a propósito da intenção do legislador, que «o que se pretendeu (…) foi harmonizar dois direitos potencialmente em conflito: o direito do trabalhador à liberdade religiosa e o direito do empregador à correta gestão dos meios humanos ao seu dispor. Sempre com a preocu- pação que o exercício do direito do trabalhador não acarrete, para um empregador, um prejuízo injustificado e desproporcionado». O juízo de concordância dos direitos e interesses em presença – de um lado, a liberdade religiosa do trabalhador, de outro lado, o direito de iniciativa económica do empregador, aqui incluído o direito de organização do tempo de trabalho [também contido no princípio da liberdade de organização empresarial previsto no artigo 80.º, alínea c) , da CRP] e, bem assim, do estabelecimento de um horário de trabalho – não pode deixar de ser feito pelo legislador. Com efeito, já o dissemos, a liberdade religiosa (na sua vertente externa) não é um direito absoluto e irrestrito, mesmo que, acrescente-se agora, da letra do n.º 1 do artigo 41.º nada resulte a esse respeito. Quando exercida no âmbito de uma relação laboral, a liberdade religiosa do trabalhador poderá sofrer alguma compressão justificada pelos direitos e interesses em presença. Contudo, a partir do momento em que se entende que o direito à liberdade religiosa do trabalhador não se mostra confinado à sua dimensão interna e que a proteção constitucional é mais ampla do que a mera garantia contra tratamentos discriminatórios, a ponderação in casu da estrita configuração do exercí- cio daquela faculdade contida no direito de liberdade religiosa do trabalhador em face dos outros direitos e interesses constitucionalmente relevantes revela-se desconforme com o programa constitucional de proteção da liberdade de religião. Desde logo, o juízo de ponderação feito pelo tribunal recorrido entre os direitos e interesses em presença – previstos, respetivamente, nos artigos 41.º e 61.º [e 80.º, alínea c) ] da Constituição – aponta para a pre- valência do direito de livre iniciativa económica (e da liberdade de organização empresarial) sobre o direito de liberdade religiosa, com o claro sacrifício desta, sem que se vislumbre de que modo possa ser afetada a organização empresarial do tempo de trabalho e a liberdade do empregador sempre e em qualquer caso em que essa organização não tenha contemplado a possibilidade de os trabalhadores terem um horário variável na entrada e saída. Depois, sendo esta a interpretação conferida ao requisito da flexibilidade de horário, conclui-se que só nestas circunstâncias possa ser exercida a liberdade religiosa do trabalhador nos termos do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa, o que reduz o universo dos trabalhadores abrangidos a uma ínfima parte do universo dos trabalhadores subordinados a um horário de trabalho (sendo este um elemento deter- minante da própria relação laboral subordinada). Ainda, e na medida em que a organização do tempo de trabalho e a fixação de um horário se compreendem nos direitos gestionários da entidade empregadora, esta configuração em concreto dos requisitos para o exercício do direito em causa apenas contempla o exercício daqueles direitos da entidade empregadora, naturalmente estranhos e não dirigidos à liberdade religiosa dos trabalhadores – pois determinados pelos objetivos de produtividade e eficácia na prestação do trabalho. Assim interpretados os requisitos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa, revelam-se de limitadíssima aplicação, abrangendo apenas as situações em que o trabalhador exerce a sua atividade numa organização em que haja sido estabelecido um regime flexível para o horário de traba- lho (isto é, com variação na hora de entrada e de saída) por razões estritamente gestionárias, de acordo com os direitos e interesses (desta forma entendidos como prevalecentes) da entidade empregadora. Com efeito, o caminho formulado pelo legislador, ao configurar (como fez) os requisitos cumulativos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa para o trabalhador poder exercer o seu direito de obser- vância do tempo ditado pela sua confissão religiosa no âmbito das relações laborais, não se compadece com os restritíssimos termos da interpretação normativa que foi dada às alíneas a) e c) daquele preceito. Ora, a proteção constitucional do direito à liberdade religiosa procura realizar-se na possibilidade real – e não apenas virtual – de o exercício desse direito ter lugar também perante entidades empregadoras (aqui se incluindo o Estado, na posição de Estado empregador e as entidades privadas), não podendo ignorar-se

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=