TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

630 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL uma vez que este está eximido de prestar atividade no dia feriado (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 525 e 526).» Neste enquadramento, melhor se compreende o escopo do regime normativo em causa, cuja impor- tância mais se verifica na realização da liberdade religiosa numa comunidade plural. Nas palavras de Jónatas Machado, «a liberdade religiosa constitui um mecanismo de proteção do pluralismo religioso, com base no reconhecimento de que numa ordem constitucional livre e democrática os cidadãos tenderão, naturalmente, a adotar diferentes convicções religiosas e a reunir-se em múltiplas confissões religiosas. O Tribunal Cons- titucional sublinhou que o dever estadual de proteção negativa e positiva da liberdade religiosa abrange as diferentes confissões religiosas, sem prejuízo da tomada de consideração, em termos razoáveis, das diferenças fácticas existentes entre elas e do modo como as mesmas podem justificar diferenciações normativas consti- tucionalmente adequadas» (cfr. A Jurisprudência Constitucional Portuguesa Diante das Ameaças à Liberdade Religiosa , cit., p. 111). Questionada a constitucionalidade da aplicação cumulativa das três alíneas do n.º 1 do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa, como requisitos para o exercício do direito de o trabalhador, a seu pedido, sus- pender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhe sejam prescritos pela confissão que professam, a partir da interpretação que lhes foi conferida na decisão recorrida, importa centrar a análise na ratio dessa decisão, para a qual foi determinante a aplicação das alíneas a) e c) do n.º 1 do preceito legal citado, de sentido desfavorável à recorrente. Com efeito, o requisito estabelecido na alínea b) desse preceito legal não se revelou determinante para a decisão, sendo que, em qualquer caso, da sua aplicação não derivaria uma decisão desfavorável à recorrente. Para o efeito, o Tribunal da Relação do Porto (secundando o entendimento do tribunal de 1.ª instância) considerou que o exercício daquele direito só poderia ser invocado por trabalhadores a que fosse aplicável um regime de horário flexível [alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei], considerado indispensável para a observância do requisito de compensação integral por parte do trabalhador do respetivo período de trabalho no qual ocorra a suspensão [alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei]. Na aplicação do requisito da flexibili- dade de horário, como qualquer regime de trabalho que se distancie dos esquemas em que a característica seja a fixidez, o tribunal perfilha uma interpretação segundo a qual o horário flexível se verifica apenas nos regimes de organização do tempo do trabalho em que estão delimitados períodos de presença obrigatória do trabalhador e a possibilidade de escolha por este, dentro de certas margens, das horas de entrada e de saída, socorrendo-se da interpretação formulada pelo tribunal de 1.ª instância: “o trabalhador prestará a sua atividade em regime de flexibilidade de horário quando, no interesse da entidade empregadora – radicado na organização do seu funcionamento, porque desse modo proporciona a obtenção da utilidade da força de trabalho à disposição daquela – tenha sido estabelecido um esquema em que aquela prestação, contendo-se nos limites legais do período normal de trabalho, possa ter hora variável de entrada e saída, dependendo tal de determinadas circunstâncias ou condições ou sendo gerido pelo trabalhador, em qualquer caso tendo em vista uma melhor eficácia da sua prestação”. Assim, considerou excluída da previsão da norma o regime de horário por turnos rotativos. A interpretação normativa conferida pelo tribunal a quo aos requisitos estabelecidos na Lei da Liberdade Religiosa para o exercício da liberdade religiosa do trabalhador assenta na ideia de que o direito de guarda de períodos reservados para o culto impostos pela religião professada pode ser exercido se, na organização do funcionamento da unidade empresarial – no interesse da entidade empregadora e com vista à melhor eficácia da prestação do trabalho –, for estabelecido um regime que contemple a possibilidade de variação da hora de entrada e de saída dos trabalhadores. A partir desta interpretação, verifica-se que os requisitos legalmente estabelecidos para o exercício do direito, na parte em que respeitam ao tempo da prestação do trabalho (e à compensação da ausência do trabalhador, pois, segundo aquele tribunal, apenas possível num regime de fle- xibilidade de horário), são entendidos como alheios a qualquer conformação que pudesse decorrer da situa- ção dos trabalhadores que invocam o direito em causa, correspondendo tão só a um regime de organização

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