TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
629 acórdão n.º 544/14 Não obstante configurar o direito em causa como um direito que assiste a todos os crentes, indepen- dentemente da religião professada, o regime legal em causa não pode deixar de corresponder a uma preocu- pação de tratamento de organizações religiosas minoritárias no que respeita à organização do tempo. Dado relevante, embora não determinante, é o facto de o dia de descanso semanal dos trabalhadores em Portugal – não obstante a sua evidente secularização – corresponder ao domingo, dia de culto para a religião católica. Foi aliás por considerar que se mostrava acautelado o direito ao descanso nos domingos e que esta escolha do legislador não consubstanciava um tratamento desigualitário das várias confissões religiosas que o Tribunal Constitucional espanhol decidiu desfavoravelmente um recurso de amparo interposto por uma cidadã espanhola, membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, para as práticas sabatistas no âmbito de uma relação laboral. Entendeu aquele Tribunal («Sentencia 19/1985», de 13 de fevereiro de 1985, in Boletín Ofi- cial del Estado, n.º 55, de 5 de março de 1985, disponível em www.tribunalconstitucional.es ) que o descanso semanal correspondia, em Espanha, «como nos povos de civilização cristã», ao domingo, sendo a escolha desse dia decorrente de mandato religioso e da tradição. Contudo, sublinhou o Tribunal não se poder daí retirar que se trata da manutenção de una «instituição com origem causal única religiosa», sendo inequívoco, no seu acolhimento na legislação laboral, tratar-se de uma instituição «secular e laboral», que, «se com- preende o domingo como regra geral de descanso, é porque é este o dia da semana consagrado pela tradição». Acentuando a secularização da escolha desse dia, até pela «aconfessionalidade» proclamada no artigo 16.º da Constituição espanhola de 1978, e o facto de se tratar de regra dispositiva, podendo ser outro o dia de descanso dos trabalhadores, a estabelecer em acordo individual ou coletivo de trabalho, entendeu o Tribunal ser essa escolha indiferente para o legislador. Negando o recurso, concluiu o Tribunal Constitucional espa- nhol que «a tese da demandante conduz a configurar o descanso semanal como instituição marcadamente religiosa – que não é, (…) o que obviamente, não é possível, por muito respeitáveis que sejam – e são – as suas convicções religiosas». Todavia, esta perspetiva não se afigura adequada para resolver as questões de constitucionalidade colocadas. É que a escolha do domingo não será determinante, por se dirigir à realização de outros direitos cons- titucionalmente consagrados, como in casu , o direito ao descanso [artigo 59.º, n.º 1, alínea d) , da Consti- tuição] – o que não é o caso que nos ocupa, aliás prevendo-se mesmo a compensação do tempo de ausência do trabalhador para o cumprimento dos seus deveres religiosos –, mas será relevante por coincidir com um dia de culto religioso. Bem assim, os feriados religiosos em Portugal correspondem também aos dias como tal entendidos pela religião maioritária. A este respeito, e por não se dirigirem os feriados à realização de um direito subjetivo do trabalhador ao descanso [fundado no citado artigo 59.º, n.º 1, alínea d) , da CRP], mas sim à realização de interesses coletivos em articulação com os direitos subjetivos do trabalhador de participar nessas festividades (em sentido mais próximo da realidade que nos ocupa), vale a pena mencionar a seguinte passagem do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/13: «Os dias de feriado obrigatório relevam no âmbito das relações laborais, na medida em que, em tais dias, é obri- gatório o encerramento ou suspensão da laboração de todas as atividades que não sejam permitidas aos domingos (cfr. o artigo 236.º do Código do Trabalho). A paragem da prestação de trabalho é, assim, uma consequência da suspensão da laboração e destina-se a possibilitar a celebração coletiva de datas ou eventos considerados relevantes no plano político, religioso ou cultural. Ou seja, neste âmbito, não há um direito do trabalhador perante o empre- gador (direito ao descanso ou ao repouso), mas sim um dever das entidades empregadoras perante o Estado que se articula com um direito subjetivo público dos trabalhadores, traduzido num direito a tempo livre para participar na comemoração (neste sentido, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho , cit., pp. 345 e 346). Ou seja, os feriados “não visam propriamente conceder repouso ao trabalhador, mas antes permitir-lhe participar nas festi- vidades organizadas nesses dias” [assim, Luís Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 275; vide no mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho. Parte II (…), cit., p. 508], ainda que indiretamente possa haver uma relação entre os feriados e o repouso do trabalhador,
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