TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

628 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sociais. Nesta sequência, é frequente a invocação do regime específico dos direitos liberdades e garantias previsto no artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, ao estabelecer a vinculação das entidades públicas e privadas a estes direitos fundamentais. Nem sempre é necessário, quando, neste domínio das relações laborais, há opções normativas tendo por destinatários entidades privadas (ou também entidades privadas) que decorrem diretamente da Constituição, seja a proibição de discriminação do trabalhador em função da religião (artigo 59.º, n.º 1, da CRP), seja a proteção relativa a perguntas sobre as convicções religiosas, mormente aquando da seleção e contratação dos futuros trabalhadores (artigo 41.º, n.º 3, da CRP, com as necessárias adapta- ções), o que não deixa de estar relacionado com a proibição da discriminação por motivos religiosos, também especificada no n.º 2 do artigo 41.º da Constituição. A proibição de discriminação abrange não apenas a fase da contratação dos trabalhadores, mas está presente na relação laboral até à sua cessação, aqui se tendo por constitucionalmente ilícitos os despedimentos fundados em razões religiosas (o que também decorre da proibição constitucional plasmada no artigo 53.º da CRP). A presente situação – em que está em causa o enquadramento normativo, infraconstitucional, das rela- ções laborais em face do exercício da liberdade religiosa dos trabalhadores – não convoca autonomamente o regime de vinculação das entidades privadas aos direitos, liberdades e garantias. Com efeito, o legislador previu um regime de suspensão da atividade laboral justificado pelo exercício da liberdade de religião, assim criando um dever específico de respeito para as entidades empregadoras, sejam públicas (nas quais se inclui o próprio Estado empregador) ou privadas, plasmado esse regime nos requisitos fixados nas três alíneas do n.º 1 do artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa cuja inconstitucionalidade foi suscitada nos autos e sendo esse o objeto do presente recurso de constitucionalidade. De todo o modo, a eficácia irradiante do direito fundamental de liberdade religiosa não pode deixar de ser tida em conta na apreciação da intervenção do legislador. Isto, porquanto, por um lado, a liberdade de religião por parte do seu titular convoca, mesmo na sua dimensão menos exigente, um dever geral de respeito (que, neste domínio, podemos concretizar como uma obrigação de tolerância nas palavras de Jóna- tas Machado, Liberdade Religiosa Numa Comunidade Constitucional Inclusiva – Dos Direitos de Verdade aos Direitos dos Cidadãos, cit., p. 255), assim se dirigindo a todos, pelo que sempre caberia ao legislador criar as condições para o efeito e, por outro lado, relevando a invocação do direito no plano social (laboral), a ativi- dade do legislador não poderá deixar de ponderar também os direitos e interesses eventualmente colidentes que assistam aos empregadores. É que já foi assinalado não se tratar a liberdade religiosa – sobretudo na sua vertente externa – de um direito absoluto, que habilite a sobreposição a todos os demais, não obstante a sua inegável relevância jurí- dico-constitucional. Nesse sentido, a ponderação de outros direitos e interesses constitucionalmente prote- gidos não pode deixar de pesar na análise das normas legais agora postas em crise. Contudo, poderá desde já antecipar-se não se retirar dessa ponderação in casu as mesmas conclusões já alcançadas pelos tribunais a quo. Vejamos, porquê. 8.4. O artigo 14.º da Lei da Liberdade Religiosa veio prever o direito de dispensa do trabalho, de aulas e de provas por motivo religioso, estabelecendo, no seu n.º 1, que os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm direito, a seu pedido, de suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes condições: a) trabalharem em regime de flexibilidade de horário; b) serem membros de igreja ou comunidade religiosa inscrita que enviou no ano anterior ao membro do Governo competente em razão da matéria a indicação dos referidos dias e períodos horários no ano em curso; c) haver compensação integral do respetivo período de trabalho.

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