TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
625 acórdão n.º 544/14 determinado período do dia, aceitando as condições contratuais em regime de tempo integral. Numa passa- gem da decisão, a Comissão observara já que o recorrente era livre de se demitir a partir do momento em que achasse que as suas obrigações letivas conflituavam com os seus deveres religiosos e que, aliás, o recorrente exercera essa liberdade ao resignar a um regime de trabalho de cinco dias por semana para aceitar um trabalho de quatro dias por semana, assim deixando as sextas-feiras para cumprir os seus deveres como muçulmano. Em face da complexidade de organização do sistema de educação britânico, concluiu a Comissão não ter ocorrido o desrespeito do direito do recorrente à liberdade de religião sob o artigo 9.º da Convenção, pela recusa de alteração do seu horário de trabalho com vista à prática da religião, se previamente aceitou exercer as funções de professor em tempo integral sem fazer qualquer reserva a esse respeito. Pode ainda referir-se o caso que opôs uma cidadã britânica ao Reino Unido, invocando que o exer- cício da sua fé cristã, manifestado na sua recusa em trabalhar aos domingos, resultou na cessação do seu contrato de trabalho, por determinação da empresa onde trabalhava (caso Louise Stedman v Reino Unido , n. 29107/95, decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem de 9 de abril de 1997). Citando o caso Tuomo Konttinen v. Finlândia, e para ele remetendo, a Comissão considerou que também na situação da recorrente o despedimento não se ficara a dever às suas convicções religiosas mas ao facto de se ter recusado a respeitar o seu horário de trabalho, pelo que não estaria tutelada pelo artigo 9.º da CEDH. A invocação feita pela recorrente que a imposição de trabalho aos domingos afetava ainda o seu direito a uma vida familiar (artigo 8.º da Convenção) também não foi atendida pela Comissão, que entendeu não ser este direito desres- peitado com a fixação de um horário de cinco dias incluindo o domingo de forma rotativa, como era o caso. Mais recentemente, no julgamento do caso Francesco Sessa v. Itália (n.º 28790/08), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em acórdão datado de 3 de dezembro de 2012, apreciou uma questão diversa – estranha às obrigações derivadas de uma relação laboral – mas ainda próxima da jurisprudência anterior- mente citada. Estava em causa a marcação por um juiz de um ato processual incidental no âmbito de um processo criminal em data coincidente com um feriado religioso judaico. O advogado dos queixosos (assis- tentes), professando a religião judaica, havia informado o tribunal sobre a coincidência com dois feriados religiosos judaicos ( o Yom Kippur e o Sukkot ) em face das datas alternativas (13 e 18 de outubro de 2005) pro- postas pelo juiz para a realização daquele ato, requerendo a marcação noutra data, de modo a poder cumprir as suas obrigações religiosas. Marcado o ato para um dos dias referidos, foi indeferido pelo juiz de instrução o pedido de adiamento formulado pelo advogado, sendo a causa presente ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como uma situação de violação da liberdade de religião do recorrente. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem atendeu às razões que tinham determinado a recusa do adiamento – ditadas designa- damente pelos interesses de celeridade processual e pelo facto de se tratar do advogado dos assistentes e não dos arguidos, pelo que não estaria expressamente previsto o adiamento na lei processual penal italiana – e considerou que não tinha ocorrido qualquer ingerência no direito de liberdade religiosa do recorrente, até porquanto podia ter-se feito substituir na comparência ao ato processual em causa. Neste aresto, houve ainda a oportunidade para o Tribunal recordar a jurisprudência anterior, considerando que nos casos Konttinen v. Finlândia e Stedman v. Reino Unido as medidas tomadas pelas autoridades não se basearam nas convicções religiosas dos então recorrentes, mas foram antes justificadas pelas específicas obrigações contratuais assumi- das entre as pessoas implicadas e os respetivos empregadores. 8.3. Não obstante o âmbito de proteção conferido ao direito de liberdade religiosa pela citada juris- prudência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – que apontaria apenas para a dimensão (negativa) de não discriminação a observar na cessação das relações laborais em causa – não pode deixar de ser tido em consideração que a proteção da liberdade religiosa tem hoje um enquadramento multinível, nacional, regional e universal, no qual deve prevalecer a proteção mais elevada. Assim, por um lado, alguns dos catálogos e respetivos sistemas de garantia transnacionais configu- ram-se como subsidiários relativamente à proteção do direito fundamental pelas ordens jurídicas nacionais – como é o caso do sistema de proteção da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; por outro lado, tais
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=