TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
624 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2009, quando o turno às sextas-feiras se iniciava à tarde e tinha o seu termo à noite, a autora ausentava-se do trabalho, assim que atingia a hora do pôr do sol, perfa- zendo o somatório dos períodos de ausência de cada um desses dias o total de 65 horas e 53 minutos.». Nesta dimensão externa, no exercício do direito de agir em conformidade com as convicções religiosas, a liberdade religiosa conflitua com os deveres decorrentes da situação laboral da recorrente, coincidindo tem- poralmente os períodos de observância dos deveres de assiduidade e prestação do trabalho com os períodos de guarda para o exercício da religião. Em face da invocação da liberdade de religião e de crenças – e dos imperativos por estas ditados – con- flituantes com outras obrigações, em especial as contratualmente assumidas no domínio laboral, pronun- ciaram-se já a Comissão e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Considerando a jurisprudência produzida por estas instâncias internacionais, a partir de situações diversas mas que resultaram na demissão ou despedimento de trabalhadores que invocaram o seu direito à liberdade de religião para justificar a ausên- cia do local de trabalho em dias ou períodos reservados pela religião professada ao seu culto, resulta que a proteção conferida pelo artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem tem sido essencialmente entendida como a proibição de despedimentos ou demissões fundados em razões religiosas. Com efeito, para a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, a proteção conferida pelo artigo 9.º da Convenção não é de molde a excluir a responsabilidade contratual – no domínio laboral – do trabalhador que justifica o incumprimento das suas obrigações com base no exercício do direito à liberdade religiosa. No caso Tuomo Konttinen v. Finlândia (n.º 24949/94), um funcionário dos Caminhos de Ferro Estatais finlandeses (Finnish State Railways) que passou a professar a religião Adventista do Sétimo Dia foi demitido por se ter recusado a prestar trabalho às sextas-feiras a partir do pôr do sol, invocando um conflito com as obrigações decorrentes da religião professada que determina a guarda do Sabbath (o sábado, entendido como o período desde o pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de sábado) para os crentes. A Comissão decidiu, em 3 de dezembro de 1996, que a alegação do exercício do direito de liberdade religiosa não habilitava a justificação do incumprimento das obrigações laborais, sublinhando que o âmbito de proteção do artigo 9.º da CEDH primariamente se dirige à esfera das convicções pessoais e crenças religiosas, só adicionalmente protegendo os atos intimamente ligados com essas atitudes, como, por exemplo, os atos de culto ou devoção que respeitem à prática de uma religião ou crença nas formas habitualmente reconhecidas. Nas particulares circunstâncias do caso, a Comissão entendeu que a demissão não tinha sido determinada pelas convicções religiosas do apelante mas por se ter recusado a respeitar o seu horário de trabalho, também não havendo qualquer indicação de ter sido pressionado para mudar as suas crenças religiosas ou impedido de as mani- festar. Deste modo, a pretensão do apelante, para a Comissão, não era tutelada pela proteção da liberdade religiosa conferida pelo artigo 9.º da CEDH. Na medida em que o recorrente, em face do conflito entre o horário de trabalho e as suas convicções religiosas, era livre de se demitir, concluiu a Comissão que o mesmo tinha ainda esta última garantia do exercício do seu direito à liberdade religiosa, pelo que a sua demissão não interferiu com o direito invocado. Daí concluir pela não violação do artigo 9.º da Convenção. Já anteriormente, a Comissão havia desatendido a pretensão de um professor do ensino básico britânico, muçulmano, que invocara o desrespeito do artigo 9.º da Convenção em face da recusa da escola em que lecionava de organização de um horário letivo que lhe permitisse cumprir a obrigação de se deslocar a uma mesquita para fazer as suas orações em conjunto com outros crentes, todas as sextas-feiras, por um período de quarenta e cinco minutos (caso X v. Reino Unido, n.º 8160/78, Decisão sobre a admissibilidade da petição de 12 de março de 1981). O recorrente alegou ter sido assim forçado a apresentar a sua demissão (tendo aceitado mais tarde trabalhar em regime de tempo parcial, mas com prejuízo da sua situação remuneratória, progres- são na carreira e benefícios sociais), o que seria equivalente a um despedimento. Não obstante a Comissão ter considerado que o direito a manifestar a religião em comunidade (e não apenas individualmente) se incluía na proteção da liberdade religiosa, foi determinante para o juízo de não violação (naquele caso) do artigo 9.º o facto de o recorrente ter aceitado exercer as suas funções em tempo integral, e tê-las desempenhado por um período de seis anos, sem ter informado atempadamente o empregador da necessidade de se ausentar num
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