TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

622 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL acordo com a sua visão da vida e em conformidade com a escala de valores que para eles resulta da fé professada (cfr. Guiseppe Dalla Torre, La Questione Scolastica nei Rapporti fra Stato e Chiesa, 2.ª edição, Bologna, Pàtron Editore, 1989, p. 79) – e as confissões religiosas possam cumprir a sua missão. Significa isto que a liberdade religiosa, enquanto dimensão da liberdade de consciência (artigo 41.º, n.º 1, da Constituição), assume também, como já foi referido, um valor positivo, requerendo do Estado não uma pura atitude omissiva, uma abstenção, um non facere, mas um facere, traduzido num dever de assegurar ou propiciar o exercício da religião. Como vincou este Tribunal no seu Acórdão n.º 423/87, “(…) a conceção da liberdade religiosa com um mero conteúdo formal, entendida como esfera de autonomia frente ao Estado e reduzida ao livre jogo da espontaneidade social, parece não satisfazer, por insuficiência, as consciências dos nossos dias. Porque a dimensão real da liberdade, de todas as liberdades e por isso também da liberdade religiosa, depende fundamental- mente das situações sociais que permitem ou impedem o seu desfrute existencial como opções reais, a questão deve centrar-se na transformação do conceito de liberdade autonomia em liberdade situação, isto é, no significado posi- tivo de liberdade enquanto poder concreto de realizar determinados fins que constituem o seu objeto, não só pela remoção dos entraves que impedem o seu exercício, como também pela prestação positiva das condições e meios indispensáveis à sua realização [cfr. A. Fernandez – Miranda Campoamor, “Estado Laico y Libertad Religiosa”, in Revista de Estudios Politicos, 6 (1978), p. 68]”.» Como refere Jónatas Machado a este propósito, «o Tribunal Constitucional sublinhou a noção de que, do ponto de vista estrutural, o direito à liberdade religiosa comporta uma dimensão negativa, de abstenção e defesa perante o Estado, a par de uma dimensão positiva, de natureza prestacional e regulatória» (Cfr. “A Jurisprudência Constitucional Portuguesa Diante das Ameaças à Liberdade Religiosa”, in Boletim da Facul- dade de Direito, Vol. LXXXXII, Coimbra, 2006, p. 110). 8.1.2. Para além destas dimensões, é ainda de assinalar as dimensões individual, coletiva e institu- cional da liberdade religiosa, relevando, neste caso, a primeira. Daqui decorre, fundamentalmente, que a tutela constitucional desta liberdade comporta não apenas o seu exercício individual como coletivo, aqui se compreendendo a dimensão institucional dos direitos das igrejas e confissões religiosas. Acompanha-se Gomes Canotilho e Vital Moreira na análise destas dimensões à luz da Constituição portuguesa (anotação ao artigo 41.º da CRP, C onstituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 611), quando, detalhadamente, consideram que «a liberdade religiosa engloba, no seu âmbito normativo, direitos individuais e direitos coletivos de liberdade religiosa (…). Os direitos individuais relacionam-se com as dimensões negativas (ter, não ter, deixar de ter religião, escolher, manter ou abandonar a religião). Mas, o leque de direitos integradores da liberdade religiosa individual é mais amplo pois inclui o direito de informar e ser informado sobre a religião, o direito de transmitir a religião a outras pessoas, o direito de produzir obras científicas, literárias e artísticas em matéria de religião, o direito de proceder ou não em conformidade com as normas da respetiva religião sem proibições nem imposições oficiais, o direito de escolher para os filhos nomes com referência à religião professada, o direito de expressar externamente as crenças religiosas (…), o direito de educar os filhos de acordo com a sua religião, o direito de se casar segundo os ritos religiosos (…). Por sua vez, os direitos coletivos de liberdade religiosa, cujos titulares são as igrejas e outras confissões religiosas (e ainda as pessoas coletivas por elas criadas) incluem o direito à auto-organização (….), o direito à autodeterminação (…) e o direito à organização do culto e à assistência religiosa dos crentes (…). Como direito coletivo, aponta-se ainda o direito ao ensino religioso escolar pelas várias religiões, mesmo em espa- ços escolares públicos, e o direito à utilização dos meios de comunicação próprios nos serviços públicos de televisão e de radiodifusão (…).» 8.1.3. Podemos, por fim, distinguir uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva da liberdade religiosa, relevando nesta última as dimensões internas e externas do próprio direito.

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