TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

620 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tutela da liberdade de consciência não se confinar às convicções do foro religioso. Escreve Jónatas Machado ( A Jurisprudência Constitucional Portuguesa Diante das Ameaças à Liberdade Religiosa , cit., nota 110, pp. 108-109): «Em nosso entender, a construção da liberdade de consciência a partir da ideia de integridade moral do indi- víduo tem o mérito de estender a proteção da consciência à objeção de caráter não religioso. No entanto, a mesma pode suscitar questões difíceis, como no caso de duas pessoas que objetam ao trabalho ao sábado, sendo porque uma o faz porque em consciência acredita que o fim de semana deve ser inteiramente dedicado à família, ao passo que outra o faz porque considera que o sábado é um dia sagrado reservado ao culto. A avaliar pela jurisprudência constitucional nacional, nem razões autónomas, nem razões teónomas podem legitimar um direito absoluto à obje- ção de consciência insuscetível de ponderação com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.». 8. Cumpre agora, e sem prejuízo do que fica exposto, enquadrar o direito invocado na liberdade de religião – cuja alegada violação motiva o presente recurso de constitucionalidade. 8.1. Numa aproximação à tutela conferida pela Constituição portuguesa à liberdade de religião podem assinalar-se as várias dimensões associadas a este direito, negativas e positivas, individuais, coletivas e insti- tucionais, subjetivas e objetivas. Comecemos pela dupla vertente negativa e positiva da liberdade religiosa. 8.1.1. Sobressai do artigo 41.º da Constituição a vertente garantística deste direito fundamental, colo- cado, como já se disse, a par da liberdade de consciência e da liberdade de culto, protegido de ingerências que o possam afetar – sendo pois vedado ao Estado impor ou proibir o professar de uma crença –, e estendendo- -se a proteção constitucional da liberdade religiosa ao dever de o Estado garantir as condições para que a liberdade seja exercida, permitindo ou propiciando «a quem seguir uma determinada religião o cumpri- mento dos deveres que dela decorrem» (Jorge Miranda e Pedro Garcia Marques, ob. cit. , p. 909). Esta dupla dimensão – negativa e positiva – da liberdade de religião mereceu entre nós desenvolvimento jurisprudencial, socorrendo-nos das seguintes passagens do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/87, pese embora centrado em questão diversa da que nos ocupa – o ensino da religião e moral católicas na escola pública: «(…) A liberdade de religião traduz-se na liberdade de adotar ou não uma religião, de escolher uma determi- nada religião, de fazer proselitismo num sentido ou noutro, de não prejudicado por qualquer posição ou atitude religiosa ou antirreligiosa. (…) Para além de um esquema de separação aparentemente rígido, a Constituição consagra também a garantia da igualdade da capacidade jurídica, civil e política, independentemente das convicções ou prática religiosas (artigo 13.º, n.º 2, e 41.º, n.º 2). Como corolário do regime de separação apresentam-se os princípios da não confessionalidade do Estado e da liberdade de organização e independência das igrejas e confissões religiosas. E em matéria de ensino, aquela que especialmente importa ter presente, afirma-se a não confessionalidade do ensino público. (…) (…) a conceção da liberdade religiosa com um mero conteúdo formal, entendida como esfera de autonomia frente ao Estado e reduzida ao livre jogo da espontaneidade social, parece não satisfazer, por insuficiência, as cons- ciências dos nossos dias. Porque a dimensão real da liberdade, de todas as liberdades, e por isso também da liberdade religiosa, depende fundamentalmente das situações sociais que permitem ou impedem o seu desfrute existencial como opções reais, a questão deve centrar-se na transformação do conceito de liberdade autonomia em liberdade situação, isto é, no sig- nificado positivo de liberdade enquanto poder concreto de realizar determinados fins que constituem o seu objeto, não só pela remoção dos entraves que impedem o seu exercício como também pela prestação positiva das condições

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