TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL C. Os parâmetros constitucionais 17. O sentido e alcance do direito à pensão e da incumbência imposta ao Estado de organizar e manter um sistema de segurança social, como decorrência do direito à segurança social consagrado no artigo 63.º da Constituição, tem sido clarificado pelo Tribunal Constitucional em diversa jurisprudência (Acórdãos n. os 349/91, 318/99, 188/09, 3/10 e 187/13) e, por último, no Acórdão n.º 862/13. Não há motivo para deixar de seguir, na linha dessa anterior jurisprudência, o entendimento expresso neste mais recente aresto. A Constituição não fixa, com caráter de regra suscetível de aplicação direta e imediata, o sistema de pensões e demais prestações do sistema de segurança social, assim como os critérios da sua concessão e valor pecuniário. Caberá assim ao legislador ordinário, em função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente esses elemen- tos de conteúdo das pensões. Também aqui a liberdade de decisão do legislador é variável, consoante a maior ou menor determina- bilidade das regras constitucionais. Em certas situações, a margem de conformação do legislador será necessariamente menor. É o que se verifica com a norma do n.º 4 do artigo 63.º, que garante o princípio – conhecido como “princípio da totalização” – que impõe a contagem de todo tempo de trabalho realizado para o cálculo do montante das prestações: “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”. Todavia, tem sido afirmado que desse princípio não decorre que o legislador ordinário esteja constitu- cionalmente vinculado a garantir ao pensionista uma pensão rigorosamente correspondente ao das remune- rações registadas durante o período contributivo, não se podendo falar num “princípio da equivalência entre contribuições e montantes da prestação”, já que o sistema previdencial assenta em mecanismos de repartição e não de capitalização (cfr. Acórdão n.º 99/99). No mesmo sentido, afirmou-se num outro acórdão que “a Constituição da República Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a exigência de que se tenha em consideração, como critério para o cálculo do montante das pensões de reforma, o mon- tante da retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador no ativo. Pode – e, numa certa perspetiva, haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária consideração de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de utilização, como critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos rendimentos real- mente auferidos” (cfr. Acórdão n.º 675/05). 18. Neste condicionalismo, o legislador possui margem de manobra para delinear o conteúdo concreto ou final do direito à pensão, respeitados os limites constitucionais pertinentes. Assim, afirmar o reconhe- cimento, autónoma e imediatamente decorrente do texto constitucional, do direito à pensão, não significa que se possa afirmar o direito a uma determinada pensão. O direito a uma determinada pensão só adquire conteúdo preciso através da legislação ordinária. Pelo que a sua “vinculatividade jurídica” é “uma criação infraconstitucional”. Apenas a partir do momento em que o legislador ordinário fixa, com elevado grau de precisão e de certeza, o conteúdo do direito exigível do Estado, o direito à pensão adquire na ordem jurídica um “grau pleno de definitividade e densidade” (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais, teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais , Coimbra Editora, 2010, p. 148). Alguns autores defendem que, a partir do momento que seja levada a cabo a concretização legislativa do direito, ela passará a “integrar a norma de direito fundamental”, correspondendo a faculdades, pretensões ou direitos particulares integráveis no direito fundamental como um todo. Não obstante, isso não significa uma absoluta intangibilidade do direito à pensão, mas sim que o referido direito passa a beneficiar da proteção específica correspondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado de direito, como a prote- ção da confiança ou da proporcionalidade, apenas podendo ser suprimidos ou diminuídos com observância desses mesmos princípios.
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