TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

619 acórdão n.º 544/14 Liberdade de Consciência e de Religião e Contrato de Trabalho do Trabalhador de Tendência – que equilíbrio do ponto de vista das relações individuais de trabalho?, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 88). A montante, a liberdade de consciência, não apenas tomada como liberdade de formação das próprias convicções (religiosas ou outras), mas também, e para o que aqui releva, como a «liberdade de agir, seja por ação, seja por omissão, de acordo com a consciência. Aqui o indivíduo atua de determinado modo, por se considerar vinculado a um dever imposto por um imperativo de consciência» (Cfr. Jorge Miranda e Pedro Garcia Marques, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, cit., p. 896), o que se reveste de especial acuidade «quando o indivíduo, ao atuar de acordo com a consciência assume uma posição de objeção ao cumprimento de imposição constitucional ou legal por se entender vin- culado a um impreterível imperativo imposto pela sua consciência» (idem). A liberdade de consciência, enquanto liberdade forte (na expressão de José Lamego, Sociedade Aberta e Liberdade de Consciência – O Direito Fundamental de Liberdade de Consciência, Edição Associação Acadé- mica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1985, pp. 68-69), não significa apenas proteção do “fórum interno”, «significa também liberdade de agir segundo a consciência implicando a estruturação dos sistemas de decisão segundo um modelo de “sociedade aberta”, não fundada em qualquer visão do mundo particular, mas onde as decisões sejam legitimadas numa perspetiva de universalismo e criticismo, que postulam como únicos conteúdos axiologicamente necessários ao sistema político a salvaguarda da liberdade e autonomia individuais» (cfr. José Lamego, ob. cit. , p. 71). Pode aqui relevar-se que os fundamentos de um direito fundamental geral à objeção de consciência – não confinado à objeção de consciência ao serviço militar (artigos 41.º, n.º 6, e 276.º, n.º 4, da CRP) e, seguramente, não apenas ditado por convicções religiosas, mas também políticas, filosóficas ou ideológicas – derivam do reco- nhecimento e respeito pela dignidade da pessoa, na formação da sua integridade moral. Foi essa a perspetiva defendida por José de Sousa Brito (cfr. voto de vencido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 681/95 – também no Acórdão n.º 5/96), e assim desenvolvida nos (votos de vencido) nos Acórdãos agora citados: «Ora, se o reconhecimento do direito à objeção de consciência na Constituição implica a distinção entre os casos em que o direito é reconhecido e aqueles em que não é, esse reconhecimento não se faz em função dos fun- damentos invocados para a objeção, mas sim em função do caráter fundamental da mesma. Com efeito, o direito à objeção de consciência decorre da basilar dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição) apenas quando o não reconhecimento do imperativo de consciência implica a violação da integridade moral da pessoa, que a Constituição considera inviolável (artigo 25.º, n.º1). Não se trata, portanto, do conflito entre a vontade da minoria e a vontade da maioria, que é interno ao princípio democrático, e que se resolve, sem prejuízo do pluralismo de expressão e de organização política democráticas, pelo dever geral de obediência à lei, a que estão subordinadas as minorias. Trata-se do conflito entre os dois princípios basilares da Constituição, o da vontade popular e o da dignidade da pessoa humana, que se verifica quando a lei democrática entra em conflito com a norma estruturante da integridade moral da pessoa, que se considera ditada pela consciência individual.  Ora o caráter estruturante da integridade moral não depende da conformidade com o conteúdo da Consti- tuição e das leis, mas da formação da personalidade individual. A Constituição reconhece o direito de objeção de consciência ao “fundamentalista”, religioso ou outro, não por causa da compatibilidade constitucional das normas que ele invoca, mas por considerar estas estruturantes da sua integridade moral. Este fundamento do direito à objeção de consciência não impede que esteja sujeito às restrições aos direitos fundamentais permitidas pela Cons- tituição (artigo 18.º).» Há, pois, pontos de contacto entre esta vertente externa da liberdade de consciência (liberdade de agir em consciência) e a invocação da liberdade de religião manifestada no direito de guarda (por exemplo, ao sábado) em respeito pelos ditames religiosos aqui entendidos como imperativos de consciência. Deste contacto parecem sair reforçadas as posições tuteladas pela liberdade religiosa, aqui traduzida no direito de observância dos dias de culto ou de guarda determinados pela religião professada, pese embora a

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