TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

614 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Procurando a melhor interpretação para esse “regime de flexibilidade”, em relação ao qual o CT de 2009 tam- bém nada define expressamente, o Sr. Juiz socorre-se do que neste Código se estabelece quanto à duração e organi- zação do tempo de trabalho, constante dos artigos 197.º a 231.º, e conclui que o legislador “não tinha em mente um determinado esquema preciso de distribuição das horas do período normal de trabalho, antes querendo deixar um conceito aberto, de modo a abranger qualquer regime de trabalho que se distancie dos esquemas em que a característica seja a fixidez. Essa solução impôs-se como uma necessidade para possibilitar a condição a que se refere a alínea c) , ou seja, a compensação integral do respetivo período de trabalho durante o qual ocorra a suspensão, para exercício do direito de liberdade religiosa. Na verdade, não se descortina a possibilidade prática de assegurar a compensação por parte de alguém que trabalhe diariamente sujeito a um horário fixo”. Concordamos em absoluto com tal asserção, tanto mais que ela vai de encontro ao que Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 12.ª edição, pag. 336, define como “horário flexível”: “em que estão delimitados períodos de presença obrigatória do trabalhador, mas podendo este, com respeito por esses períodos, escolher, dentro de certas margens, as horas de entrada e saída do trabalho, e modo a cumprir o PNT (…) a que está obrigado (ex: o PNT é de 40 horas semanais; o período de presença obrigatória diária é das 10h às 12h30m e das 15h às 17h30m; o trabalhador pode, em cada dia, entrar ao serviço entre as 8 e as 10h, interromper para almoço entre as 12h30m e as 15h, e escolher a hora de saída entre as 17h30m e as 19h30m.; mas terá de cumprir as 40 horas de trabalho por semana)”. E devendo compatibilizar-se esse regime de trabalho flexível com a possibilidade de compensação prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, facilmente se compreende que neste exemplo dado por aquele Ilustre Autor seja mais do que viável o trabalhador compensar o período de ausência para a prática do culto religioso. Também a sentença recorrida dá dois exemplos felizes de situações de flexibilidade de horário (os assistentes de bordo e os delegados de propagando médica). E refere que “Assim, o trabalhador prestará a sua atividade em regime de flexibilidade de horário quando, no interesse da entidade empregadora – radicado na organização do seu funcionamento, porque desse modo proporciona a obtenção da utilidade da força de trabalho à disposição daquela – tenha sido estabelecido um esquema em que aquela prestação, contendo-se nos limites legais do período normal de trabalho, possa ter hora variável de entrada e saída, dependendo tal de determinadas circunstâncias ou condições ou sendo gerido pelo trabalhador, em qualquer caso tendo em vista uma melhor eficácia da sua prestação”. Concluindo, temos que o trabalhador, em ordem a ver observado o direito consagrado no artigo 14.º da LLR, e assim poder professar, com toda a sua amplitude, a sua confissão religiosa, terá que estar sujeito a um regime de flexibilidade de horário [alínea a) ], exigindo-se, cumulativamente, que proceda à “compensação integral do res- petivo período de trabalho” [alínea b) ] que deixou de prestar para poder comemorar as festividades ou observar o período de culto prescritos por aquela confissão. (Cfr. fls. 435 e ss). Tendo sido a partir desta interpretação que o tribunal a quo reitera a decisão de 1.ª instância, consi- derando que a situação da ora recorrente (trabalho por turnos rotativos) não se enquadra na interpretação normativa das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 14.º, pelo que não teve por verificados os requisitos cumula- tivos dessa disposição legal com vista ao exercício do direito de suspensão dos deveres laborais da recorrente nos períodos horários ditados pela confissão professada. A dimensão normativa conferidas àquelas alíneas assenta no conceito de trabalho flexível (de horário flexível), reportado pelo Tribunal às situações em que que estão delimitados períodos de presença obrigatória do trabalhador, mas podendo este, com respeito por esses períodos, escolher, dentro de certas margens, as horas de entrada e saída do trabalho, de modo a cum- prir o período normal de trabalho, socorrendo-se também da sentença de 1.ª instância quando considera contempladas as situações em que «no interesse da entidade empregadora – radicado na organização do seu funcionamento, porque desse modo proporciona a obtenção da utilidade da força de trabalho à disposição daquela – tenha sido estabelecido um esquema em que aquela prestação, contendo-se nos limites legais do período normal de trabalho, possa ter hora variável de entrada e saída, dependendo tal de determinadas cir- cunstâncias ou condições ou sendo gerido pelo trabalhador, em qualquer caso tendo em vista uma melhor eficácia da sua prestação», assim se possibilitando a compensação integral do respetivo período de trabalho, tal como previsto na alínea c) do preceito legal em causa.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=