TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014

613 acórdão n.º 544/14 O próprio estabelecimento de um horário de trabalho acarreta inegáveis vantagens do ponto de vista do trabalhador: para além de tal determinação ser uma exigência da proteção da vida e da integridade física e psíquica do trabalhador, definindo os espaços de repouso e lazer necessários à salvaguarda da sua integração familiar e social, permite-lhe, conhecendo-o antecipadamente, orientar a sua própria vida pessoal e familiar de harmonia com o mesmo. E chegados aqui a resposta à questão que nos ocupa terá de ser necessariamente negativa: não se verifica a inconstitucionalidade invocada – o direito à liberdade religiosa não é um direito absoluto, estando sujeito, com já vimos, “às restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (n.º 1 do artigo 6.º da CRP). E um dos interesses constitucionalmente protegidos é a “liberdade de (…) organização empresarial”(artigo 80.º, alínea d) , da CRP], interesse esse que não se limita, como aflorámos, ao ponto de vista do empregador – o sucesso da empresa acarretará, em condições normais, a manutenção dos contratos de trabalho dos seus traba- lhadores e das condições de laboração destes e contribuirá, certamente, para o desenvolvimento da economia de um país. Por isso se entende que na base desta consagração constitucional não esteve, exclusivamente, a preocupação da salvaguarda dos interesses económicos do empregador. E não se deve perder de vista que o princípio constitucional da igualdade acarreta que se trate de forma igual o que é igual e de forma desigual aquilo que se apresenta como desigual: e que, por articulação com o artigo 41.º da CRP, se ninguém poder ser prejudicado em função exclusivamente da sua religião ou credo, também não poderá ser beneficiado por mor das mesmas convicções, nomeadamente em confronto com outros trabalhadores de outras religiões ou sem religião alguma. É certo que nem sempre será fácil encontrar um ponto de equilíbrio entre o direito à liberdade religiosa e os interesses tutelados da entidade empregadora. Mas certamente que o critério não poderá residir, única e exclusivamente, na circunstância de o primeiro ser um direito de caráter pessoal, como defende a apelante. E é nosso modesto entendimento o que o referido artigo 14.º da LLR não estabelece uma desproporção entre os interesses em potencial conflito.  Como refere Paula Meira Lourenço, in Os Deveres de Informação no Contrato de Trabalho, REDS 2003, Ano XLIV, n. os 1 e 2, pags. 29 e ss (citada, e relacionando esse ensinamento com o artigo 14.º da LLR, por Júlio Gomes, ob. cit. , pago 299, nota 803) “a atuação dos dois direitos fundamentais no direito privado não pode legitimar situações de incumprimento de obrigações, necessitando de se compaginar com a autonomia privada”.  Tal disposição veio criar digamos uma solução de compromisso – que se não nos afigura desequilibrada – entre o direito do trabalhador em obedecer às suas convicções religiosas e em praticar o respetivo culto e o interesse empresarial do empregador, estabelecendo as 3 condições cumulativas para que se verifique a suspen- são do contrato de trabalho.» (fls. 428-verso a 432). E, mais à frente, o Acórdão recorrido retoma a questão da constitucionalidade das normas contidas nas alíneas do n.º 1 do artigo 14.º da Lei aplicável, dedicando especial atenção às alíneas a) e c) . Deste modo: «As dificuldades residem em saber o que quis o legislador da LLR dizer com a adoção do conceito de horário de trabalho flexível, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º de tal Lei. É que este diploma legal nada diz a esse respeito. Relembrando tudo quanto já se disse a propósito da alegada inconstitucionalidade daquela disposição legal, o que se pretendeu com esta foi harmonizar dois direitos potencialmente em conflito: o direito do trabalhador à liberdade religiosa e o direito do empregador à correta gestão dos meios humanos ao seu dispor. Sempre com a preocupação que o exercício do direito do trabalhador não acarrete, para um empregador, um prejuízo injustificado e desproporcionado.

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