TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
611 acórdão n.º 544/14 E se o culto pode ser meramente interno, quando se confina ao pensamento e à vontade de cada indivi- duo – e que tornará mais difícil, para não dizer impossível, a sua restrição de ordem externa, precisamente por dizer respeito ao for intimo do ser humano –, o que nos interessa para aqui será o culto externo, aquele que se manifesta externamente pelas formas mais variadas. Culto esse que poderá ser particular ou privado, quando celebrado pelos indivíduos, sós ou acompanhados, em nome próprio, ou público ou oficial, quando realizado em nome da comunidade e por ela, geralmente com a intervenção de ministro autorizado. Por esse artigo 41.º da CRP dizer respeito aos direitos, liberdades e garantias, ele é diretamente aplicável, vinculando as entidades públicas e privadas (n.º 1 do artigo 18.º da CRP), só podendo a sua restrição ser feita através de lei, limitada ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial daquele preceito (n. os 2 e 3 do mesmo artigo 18.º). Pese embora a consagração, logo em 1976, na nossa Constituição, só com a designada Lei da Liberdade Religiosa – Lei n.º 16/2001 de 22 de junho – é que o legislador veio concretizar, em termos de lei ordinária, estes princípios de opção religiosa, bem como os critérios de organização e funcionamento. Entre esses princípios encontra-se, como não poderia deixar de ser, o da liberdade de religião e de culto, o qual compreende, além do mais, o direito de adesão à igreja ou comunidade religiosa que se escolher e o direito de participar na vida interna e nos ritos religiosos. Daí o artigo 10.º da LLR dispor o seguinte: “A liberdade de religião e de culto compreende o direito de, de acordo com os respetivos ministros do culto e segundo as normas da igreja ou comunidade religiosa escolhida: a) Aderir à igreja ou comunidade religiosa que escolher, participar na vida interna e nos ritos religiosos praticados em comum e receber a assistência religiosa que pedir; b) Celebrar casamento e ser sepultado com os ritos da própria religião; c) Comemorar publicamente as festividades religiosas da própria religião”. Mas ainda que a Constituição o não refira expressamente, parece-nos manifesto e indiscutível, tal como se decidiu no Ac. da Relação do Porto de 19/2/2008, in www.dgsi.pt . que a liberdade religiosa e de culto terá necessariamente de ter limites impostos pela ordem jurídica e constitucional vigentes numa comunidade civi- lizacional e pelos valores fundamentais nela consagrados e defendidos, como sejam – na comunidade em que nos inserimos – a liberdade, os direitos alheios, a ordem pública e a realização da justiça. Valores e objetivos estes que não podem ser violados ou impedidos por motivos de cariz religioso. Na verdade, os fundamentos ético-jurídicos de cariz humanista e racional em que a nossa comunidade de cidadãos se alicerça não podem ser postergados por princípios e práticas religioso/as, como sejam, vg., a admissão de certas mutilações físicas ou da poligamia – cfr. António Leite, “A Religião no Direito Constitucional Português” in Estudos sobre a Constituição , 1978, 2.º, p. 265 e segs. Nesta vertente ao Estado já assiste o poder/dever de, através da função jurisdicional, garantir proteção jurídica a todo aquele que vir os seus direitos ou interesses juridicamente rele- vantes questionados ou violados por opções, atitudes ou cultos religiosos iníquos e intoleráveis, de forma a preveni-los ou repará-los, constituindo este um direito fundamental com assento constitucional – artigo 20.º, n.º 1, da CRP. Ou seja, não estamos, contrariamente ao que acontece com o direito à vida, perante um direito absoluto, podendo e devendo, se for o caso e dentro dos limites constitucionais, ser objeto de restrições. É o que decorre não só do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, mas também do artigo 6.º da LLR, onde expres- samente se salvaguardou que a liberdade de religião e de culto “(…) admite as restrições necessárias para salva- guardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – n.º 1 desse artigo 6.º. No particular campo das relações laborais, e com vista a encontrar o necessário equilíbrio e proporcionali- dade entre esse direito de liberdade religiosa e outros com consagração constitucional, veio reger o artigo 14.º da LRR, nos seguintes termos e que para aqui relevam:
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