TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 90.º Volume \ 2014
608 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o direito de liberdade de consciência, religião e de culto previsto no artigo 1.º da LRR (que, por sua vez, pretende dar concretização ao artigo 41.º da CRP), articulando-o com o princípio da igualdade consagra- do no seu artigo 2.º, pretendeu o legislador alcançar nesta matéria uma solução equilibrada, no sentido de conseguir compatibilizar os direitos potencialmente em conflito, de um lado, os direitos do trabalhador que professa determinada religião e pretende observar o “descanso semanal”, os dias de festividades e os períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam e, por outro lado, os direitos da entidade empregadora, desde logo, ao livre exercício da iniciativa económica privada nos quadros definidos pela Cons- tituição e pela Lei e tendo em conta o interesse geral (n.º 1 do artigo 61.º da CRP), bem como de Liberdade de (…) de organização empresarial [artigo 80.º alínea d) da CRP]. Q) A que acrescem, como expressão destes, entre outros, os poderes que a lei ordinária confere à entidade empre- gadora, nessa qualidade, de estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem (artigo 97.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro) e, de determinar o horário de trabalho do trabalhador dentro dos limites da lei (cfr. n.º 1 do artigo 212.º do CT). R) No que concerne ao artigo 14.º da LLR, com o regime aí estatuído, pretendeu o legislador limitar o prejuízo resultante do exercício do direito do trabalhador para a atividade e utilização dos recursos humanos pela entidade empregadora, pretendendo, portanto, salvaguardar o direito de liberdade religiosa do trabalhador mas sem que tal imponha um prejuízo desproporcionado para a entidade empregadora, tentando, assim, compatibilizar os direitos em caso de conflito. S) Ora, ao usar na alínea a) , do n.º 1, do artigo 14.º da LLR a expressão “regime de flexibilidade de horário”, o legislador não tinha em mente um determinado esquema preciso de distribuição das horas do período normal de trabalho, antes querendo deixar um conceito aberto, de modo a abranger qualquer regime de trabalho que se distancie dos esquemas em que a característica seja a rigidez. T) E tal solução impôs-se como uma necessidade para possibilitar a condição a que se refere a alínea c) , ou seja, a compensação integral do respetivo período de trabalho durante o qual ocorra a suspensão para o exercício do direito de liberdade religiosa. U) Assim, a solução encontrada pelo legislador procurou, precisamente, compatibilizar de forma equilibrada, os direitos em confronto, nomeadamente atendendo ao princípio da igualdade consagrado na CRP e aos direitos constitucionalmente consagrados da entidade empregadora. V) Pretendeu-se possibilitar que o trabalhador observe as práticas religiosas da sua convicção, não se distingue quanto à religião, permitindo a suspensão da obrigação do trabalhador prestar trabalho, obrigação a que se vinculou com a celebração do contrato de trabalho, mas desde que tal não redunde em oneração injustificada para o direito do empregador em ver cumprida aquela obrigação de prestação de atividade. X) De tudo o exposto decorre, de forma inequívoca, conforme bem concluiu o douto Acórdão da Relação de Lisboa, a inexistência de qualquer inconstitucionalidade do artigo 14.º da LLR. Termos em que deverá improceder o recurso interposto pela recorrente, com o que se fará inteira justiça». Cumpre pois apreciar e decidir. II – Fundamentação A) Do objeto do recurso 5. Em face dos elementos trazidos aos autos, e a partir do requerimento de interposição de recurso (de fls. 442 a 456, cfr. supra 4.3), verifica-se que a recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal a consti- tucionalidade das normas contidas no artigo 14.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa «ao prever requisitos
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